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    Marcelo Leite

    O melhor amigo da próstata

    01/06/2014 02h14

    Minha admiração pelos cães não para de crescer. A fortaleza de seu apego (reluto em usar a palavra "amor") às pessoas é um exemplo que a maioria delas não sabe imitar.

    Sempre é bom lembrar, porém, que essa parceria milenar nasceu pragmática, e não sentimental. Cachorros são excelentes ajudantes de caça e guardiões. Homens são provedores razoavelmente confiáveis de abrigo e restos de comida.

    Além da fidelidade, o que mais distingue caninos de humanos é o faro. Seus focinhos abrigam mais de 200 milhões de células olfativas, contra 50 milhões de nossos pobres narizes –e alguns, apesar disso, se orgulham por discernir até o aroma de esparadrapo no "bouquet" de um vinho diferenciado.

    O faro dos cães se mostra capaz de proezas tão ou mais intrigantes que essa, e menos frívolas. Por exemplo, detectar a presença de tumores não diagnosticados em seres humanos com uma simples cafungada numa amostra de urina.

    Quase dez anos atrás, em 26 de setembro de 2004, escrevi neste mesmo espaço a coluna "Faro fino para tumores", sobre estudo dando conta de que um grupo de seis cães de raças e idades diversas, treinados para distinguir amostras de pessoas com câncer de bexiga de amostras de pacientes sem tumores, conseguira fazê-lo em 41% das vezes.

    Era só uma prova de princípio, avisava a coluna, quase uma curiosidade. Mas agora, uma década depois, a coisa ficou mais séria.

    O serviço Bloomberg noticia que cães treinados alcançam acuidade de até 98%, a partir de amostras de urina, na identificação de pacientes com tumores de próstata (que mataram 13.354 brasileiros em 2012; segunda maior causa de mortalidade no país). O estudo do pesquisador italiano Gian Luigi Taverna foi apresentado dia 18 na Associação Urológica Americana, em Boston.

    Taverna usou dois cães treinados, Zoe e Liu, para cheirar 677 amostras. Se a sua pesquisa frutificar, um dia poderá conduzir a um procedimento para substituir o teste de PSA, que vem sendo posto em dúvida pelo número elevado de falsos positivos para tumores de próstata. Um exame mais preciso evitaria vários tratamentos e cirurgias que depois se revelam desnecessários.

    Hoje se sabe que os cachorros conseguem farejar compostos orgânicos voláteis (VOCs, na abreviação em inglês), como certos primos do benzeno, produzidos pelos tumores.

    A maior parte das pesquisas nesse campo tenta desvendar essa habilidade para imitá-la com o emprego de máquinas farejadoras, os chamados "narizes eletrônicos". Há, no entanto, quem defenda o uso dos próprios cães no diagnóstico preliminar. Como a adestradora americana Dina Zaphiris, que criou a Fundação In Situ (www.dogsdetectcancer.org) para desenvolver a ideia.

    A In Situ promete entrar com um pedido de licenciamento na FDA (agência de alimentos e fármacos dos EUA) para um kit de detecção de VOCs de tumores de pulmão no hálito das pessoas. Sim, no hálito. A amostra seria colhida assoprando num tubo, na ponta do qual um pedaço de pano capturaria moléculas dos VOCs da malignidade, para posterior escrutínio canino.

    Baixa tecnologia, alta fidelidade. O que mais se pode pedir aos cães?

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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