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    Marcelo Leite

    Cometa-pipoca

    16/11/2014 01h35

    Poucas imagens emocionam tanto quanto a do cometa Churyumov-Gerasimenko tomada pelo módulo Philae da sonda Rosetta. Talvez as de outro cometa, o Shoemaker-Levy 9, ao se lançar aos pedaços contra Jupiter em 1994.

    As tentativas anteriores de "ver" cometas haviam sido frustradas. O Kohoutek, em 1974. Houve até show de rock no Ibirapuera, mas choveu.

    O Halley, em 1986. O Hale-Bopp, em 1997. Nada mais que estrelas embaçadas, mesmo após excursões até Santo Antônio do Pinhal (SP), na serra da Mantiqueira, para escapar da poluição luminosa que nos impede de contemplar o céu.

    Fomos todos obrigados a nos contentar com fotografias obtidas por telescópios. Ou, então, com as ilustrações mostrando como os materiais do astro –sobretudo gelo– se sublimam sob o calor e o vento solar para formar a cauda que encantou e encantará gerações e mais gerações de seres humanos.

    Os textos e ilustrações ultradidáticos sempre descrevem os cometas como aglomerados caóticos e "sujos" de água em estado sólido, poeira e outros materiais. Pois agora há uma imagem para mostrar.

    Muitos dos que nasceram antes da era espacial jamais imaginaram que um dia poderiam contemplá-la (assim como nunca acreditaram que um dia enxergariam moléculas, átomos e até orbitais subatômicos).

    A imagem em branco e preto intitulada "Rolis descent image" pela Agência Espacial Europeia (ESA) é um desses ícones que já nascem prontos, como o disco azul da Terra vista do espaço. Está tudo ali, à vista de todos: um corpo disforme com apenas quatro quilômetros de diâmetro, áspero e rude como se espera de um objeto que periodicamente enfrenta o rigor estelar do Sol.

    Há leitos esbranquiçados e macios que olhos leigos interpretam como oceanos de pó. Por toda parte espalham-se ravinas e picos escarpados, quem sabe com centenas de metros de altitude. A oeste, na altura entre o que seriam 9h e 10h num relógio, uma projeção pontiaguda se projeta como torre no horizonte, prima irmã de outra a leste.

    Ao norte, uma franja do que parecem campos de rochas escuras, visivelmente agregadas ao restante do cometa poeirento. Ao sul, uma gigantesca cratera circular, com metade do diâmetro do Churyumov-Gerasimenko. Aqui e ali, pontos brancos emergem da poeira, com sombras acentuadas, como que para ressaltar, por contraste, a uniformidade da superfície em volta.

    Dizem especialistas que cometas são um palimpsesto de vestígios do Sistema Solar e que a Philae permitirá compreender os processos que o formaram. Um mistério começa a se desfazer. Mas nasce outro.

    O módulo da Rosetta teria também registrado sons na superfície do Churyumov-Gerasimenko. Inaudível para humanos, a "música" do cometa foi amplificada 10 mil vezes e originou uma gravação de 1min28s que pode ser ouvida aqui.

    Trata-se de uma série de estalos modulados. Tem gente achando que são ETs a comunicar-se. Outros, bem-humorados, dizem que são alienígenas fazendo pipoca. O cometa, de resto, parece mesmo um grão de milho virado do avesso.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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