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    Marcelo Leite

    Água na bateria

    22/02/2015 02h00

    Houve um tempo em que baterias de carros tinham tampinhas de plástico e precisavam ser reabastecidas com água desmineralizada para não perder a carga. Frentistas de postos perguntavam se era para ver o nível do óleo, a pressão dos pneus e a água da bateria.

    Hoje ninguém nem sabe onde ficam as baterias (nos velhos fuscas, era debaixo do banco traseiro). Elas são seladas. Quando pifam, só resta trocar.

    Não sei se o mundo está menos violento e mais civilizado, como defende Steven Pinker. Melhor ele ficou, em muitas coisas, e certamente a eficiência das baterias é uma delas. Basta ver os telefones celulares.

    O avanço foi suficiente para fazer a fama e a fortuna de Elon Musk, que tornou realidade automóveis elétricos parecidos com o que você dirige. Os carros Tesla que fabrica têm bom desempenho e autonomia, que sempre foram os calcanhares de aquiles desses veículos não poluidores.

    Um parênteses: por falar em desempenho, procure na rede os filmetes que mostram reações de passageiros quando o motorista aciona o "botão insano" da versão P85D do Tesla Modelo S. Lembrei-me da aceleração dos trólebus que circulavam pela rua Augusta.

    Tem gente comparando Musk com Thomas Alva Edison (1847-1931), o empresário e inventor americano que possibilitou a iluminação elétrica em cada residência. Parece haver exagero na comparação, só que não: Musk quer tornar as lâmpadas da sua casa independentes da rede elétrica pública.

    O visionário pode contar desde já com meu voto para Edison do século 21. Num país que ameaça voltar a ser tão inconfiável quanto no tempo da água de bateria, em que ninguém sabe mais se terá água na torneira e eletricidade na tomada, seu ideal de autonomia teria muitos adeptos.

    Musk já produziu protótipos funcionais de uma bateria de lítio doméstica, para funcionar com painéis solares fotovoltaicos e transformar cada casa numa mini-usina. Está construindo uma fábrica no Estado de Nevada. É o maior acionista da empresa SolarCity, que oferece o pacote para consumidores.

    Um comentário no jornal "Financial Times", porém, temperou a comparação com uma advertência do próprio Thomas Edison: visão sem execução é apenas alucinação.

    O questionamento se referia à capacidade de Musk fazer suas fábricas entregarem no prazo tudo aquilo que ele promete a investidores. Por enquanto ele vai bem, mas com alguns escorregões.

    Entre 2012 e 2014, a produção do sedã Modelo S subiu de 3.000 para 35 mil. O faturamento previsto para o ano passado, de US$ 3 bilhões, foi de US$ 3,2 bilhões.

    No entanto, a Tesla parece estar no limite. O lançamento do Modelo X (nada a ver com Eike Batista), que deveria ter sido realizado em 2013, ficou para o segundo semestre deste ano. As vendas na China vieram aquém do esperado. Duvida-se que cumpra o objetivo de fabricar 55 mil veículos em 2015.

    O "Financial Times" fecha o comentário com uma frase do próprio Musk: "É mais fácil projetar alguma coisa do que fabricá-la".

    Pelo menos ele tem uma visão e consegue realizá-la, ainda que em parte. Por aqui, no Brasil, vivemos há pouco a alucinação de um país rico e autossuficiente, mas hoje não tiramos os olhos do nível dos reservatórios de abastecimento

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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