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    Marcelo Leite

    A vingança de Plutão

    26/07/2015 01h45

    Peço licença do leitor para retomar um assunto já envelhecido, no ciclo vertiginoso de notícias nos dias atuais: as reveladoras imagens do longínquo planeta Plutão, transmitidas pela sonda New Horizons duas semanas atrás.

    Estava fora de combate, em férias, mas não posso deixar de comentar a notícia mais sensacional de ciência dos últimos tempos. Plutão esteve em baixa desde 2006, quando a União Astronômica Internacional tomou a infeliz decisão de rebaixar o nono planeta do Sistema Solar à condição de planeta-anão, mas agora retorna com estrondo à ribalta da astrofísica.

    Plutão tem só uns 70% do diâmetro da Lua e, em sua órbita periférica do Sol, revelava muito pouco de sua fisionomia, mesmo aos mais potentes telescópios. A New Horizons chegou mais perto, sobrevoando-o a 9.650 km de altitude e à velocidade de 14 km por segundo, após nove anos de viagem.

    Os retratos enviados pela nave não cessam de causar surpresas. Em lugar de um corpo celeste envelhecido, marcado por inúmeras cicatrizes e crateras de colisões antigas com asteroides, o planeta marginal irrompeu na tela pleno de vitalidade e enigmas geológicos.

    A superfície de Plutão tem áreas completamente lisas, descortinaram as câmeras da New Horizons. Isso é sinal de que se trata de terreno recente, em termos geológicos -coisa de 100 milhões de anos, muito pouco diante dos mais de 4 bilhões de anos desde a constituição do Sistema Solar como o conhecemos. Ou seja, não transcorreu tempo suficiente para que fosse pontilhado por crateras.

    A juventude constatada na face do planetoide deve ser resultado de atividade tectônica ainda em curso. Mas qual? Com seu tamanho diminuto, supunha-se que o núcleo de Plutão já estivesse resfriado e inativo. Ninguém sabe.

    Eis aí o valor inestimável da observação empírica e direta, a única capaz de confirmar ou rejeitar modelos explicativos construídos pela mente humana. Sempre existe algo por aprender quando alguém se dispõe a escrutinar a realidade de perto e com os instrumentos adequados (uma verdade que a maior parte dos atores políticos brasileiros se recusa a reconhecer).

    Pois bem, Plutão ainda apresenta outros mistérios para desafiar a criatividade intelectual humana. Descobriu-se, de novo graças à New Horizons, que ali se erguem montanhas de 3.500 metros (500 metros a mais que o nosso pico da Neblina).

    Montanhas de gelo! Sim, gelo de água. E é bem possível que elas ainda estejam em formação, quer dizer, crescendo.

    Plutão ainda vai dar muito trabalho para os astrofísicos. É a revanche do planeta rebaixado por outra tribo de especialistas em coisas celestes, os astrônomos. Uma vingança bela e produtiva.

    Mais uma razão para a esfinge plutoniana permanecer como planeta mascote de muita gente. Outra, não menos intrigante, é a maneira em que ele terminou batizado, uma fábula que abordei neste espaço, na coluna "Plutão e a menina", em agosto de 2006.

    Contei na época que o nome foi sugerido por uma inglesa de apenas 11 anos, Venetia Burney. Venetia se debruçara sobre livros de mitologia e ali encontrou Plutão, deus romano da escuridão e das profundezas -que agora volta à cena para nos iluminar.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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