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    Marcelo Leite

    Desmatamento - zero de prioridade

    14/09/2015 04h43

    Um grupo de pesos pesados do ambientalismo lança nesta segunda (14) manifesto pedindo tudo e mais um pouco do governo federal: desmatamento zero no país inteiro, não só na Amazônia. E nos próximos dez anos, veja só.

    Não vai ser fácil dobrar o Planalto. O palácio tem desafios mais urgentes para resolver, como evitar que o governo Dilma Rousseff 2 (PT) acabe antes mesmo de começar, quase nove meses depois de empossado.

    O título da proposta maximalista é "Desmatamento Zero e o Futuro do Brasil". Por trás dela estão Greenpeace, ICV (Instituto Centro de Vida), Imaflora, Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), ISA (Instituto Socioambiental), TNC (The Nature Conservancy), Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS) e WWF.

    As ONGs fazem pressão para que o Brasil anuncie um compromisso nacional ousado para a Conferência de Paris. A reunião sobre mudança do clima se realiza em novembro e dezembro e está incumbida de produzir um acordo para substituir o ultrapassado Protocolo de Kyoto (1997), mas há razões para duvidar que produza um tratado forte, com obrigações inescapáveis para todos os poluidores do mundo.

    Cada país deveria divulgar até o final deste mês de setembro suas metas voluntárias para combater o aquecimento global, com metas quantitativas de redução de gases de efeito estufa. É o chamado INDC (contribuição pretendida nacionalmente determinada), na novilíngua do clima.

    No caso brasileiro, o desmatamento ainda é a origem principal de emissões de carbono. Isso embora ele tenha caído coisa de 80% na Amazônia durante a última década. Outras fontes, contudo, estão crescendo rapidamente, como energia (termelétricas/transportes) e agricultura (principalmente pecuária), setores muito caros a Dilma, ministros do PMDB e empreiteiras, enroladas ou não na Lava Jato.

    Outra razão para a ideia de desmatamento zero radical não ganhar tração em Brasília é que o governo já se comprometeu com o conceito de desmatamento ilegal zero. Ou seja, com eliminar só a destruição que exceda o limite permitido em cada propriedade (20% no caso da floresta amazônica e 80% no da mata atlântica). E isso para 2030 –vale dizer, seria preciso esperar mais 15 anos para que se cumpra plenamente a legislação ambiental.

    Na Amazônia, a taxa de devastação parece ter estacionado no patamar de 5.000 km2, uma queda vertiginosa diante da faixa de 19 mil km2 em que permaneceu por anos (fora picos de até 27,7 mil, como em 2004). No cerrado, a média de 2003-2008 foi de 14 mil km2 anuais e o último dado disponível aponta 6.500 km2 em 2010.

    Portanto, mesmo sem computar outros biomas (caatinga, Pantanal, pampas e mata atlântica), o país ainda registra seus 11 mil km2 de perda de vegetação natural por ano. É uma área maior que metade do Estado de Sergipe. Repita-se: por ano.

    O manifesto defende que derrubar essa taxa anual para zero é "necessário, factível e vantajoso". O argumento central é que há no país 520 mil km2 de pastagens improdutivas, 100 mil km2 deles na Amazônia, para expandir a produção agrícola sem desmatar ainda mais.

    Além disso, a agricultura nacional teria muito a perder com a mudança climática esperada caso a comunidade internacional venha a fracassar na meta de manter o aquecimento abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais (quase metade disso, 0,85°C, já aconteceu).

    Estudo de Eduardo Assad (Embrapa) aponta prejuízos anuais de R$ 7,4 bilhões com a redução de chuvas pelos idos de 2020. Outro trabalho, de Sérgio Margulis, Carolina Dubeux e Jacques Marcovitch, estima que dentro de 35 anos apenas a soja estaria perdendo R$ 6,3 bilhões anuais por força da mudança climática.

    As ONGs falam também do aquecimento médio de 4°C já constatado na bacia do Xingu por Divino Silvério, pesquisador do Ipam, em tese de doutorado na UnB. Temperaturas maiores estão associadas com diminuição de chuvas, um problema tanto para usinas hidrelétricas como Belo Monte quanto para a agropecuária de Mato Grosso e o sequestro de carbono pela floresta, que perde biomassa.

    Concretamente, o grupo de organizações propõe destinar ao Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), a cada ano, uma fatia adicional de 10% do crédito agrícola (o Plano Safra 2015-16 prevê mais de R$ 200 bilhões). Entre outras coisas, isso ajudaria a aumentar a produtividade da pecuária de 1 para 1,5 cabeça por hectare (10 mil m2).

    Defende-se, ainda, aumentar a fiscalização do desmatamento, criar novas áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas), ampliar os compromissos de empresas e governos locais com o desmatamento zero, empregar a tributação para castigar quem mantém áreas desmatadas improdutivas e dar mais incentivos financeiros para a conservação ambiental.

    Alguém aí acha que há alguma chance de a presidente Dilma Rousseff dar atenção para essa agenda? Não neste governo, que tanto luta para ficar na história como o campeão das oportunidades perdidas.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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