• Colunistas

    Sunday, 19-May-2024 12:14:36 -03
    Marcelo Leite

    O paradoxo do sobrepeso

    23/11/2015 09h50

    A obsessão com o índice de massa corporal (IMC) tem seus dias contados. Bem mais importante para a saúde é a silhueta –não tanto o excesso de gordura, mas onde no corpo ela se acumula.

    Parece improvável que, nesta altura, alguém não conheça o significado de IMC, mas lá vai: peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros. Por exemplo, se uma pessoa (não pergunte quem) mede 1,73 e pesa 90 kg, seu IMC será de 30 –bem no limiar entre sobrepeso e obesidade.

    Tempos atrás, esse escore bastaria para receber um sermão do médico sobre os poderes assassinos da gordura e as virtudes curativas da perda de peso e do exercício físico. Hoje em dia, se seu clínico não tiver medo das informações complexas, ele chamará mais a atenção para o exercício do que para o sobrepeso e puxará a fita métrica para medir seu abdome.

    Quem complicou a vida dos clínicos gerais foram Reubin Andres, nos anos 1980, e mais recentemente Katherine Flegal.

    Andres abriu caminhos ao questionar a relação simplista e diretamente proporcional entre IMC e risco de morrer. Seus cálculos estatísticos mostraram que um pouco de sobrepeso (IMC entre 25 e 30) em realidade podia ser benéfico, em especial nas faixas etárias superiores –confira gráfico em inglês aqui.

    Flegal veio depois e disparou um tiro de canhão no senso comum, na forma de uma meta-análise. Esses artigos de revisão que padronizam as estatísticas de vários estudos e lhes dão mais robustez constituem o Santo Graal da chamada medicina baseada em evidências.

    Em seu trabalho, Flegal reuniu mais de uma centena de artigos, com dados sobre 3 milhões de pessoas. Comprovou que, para indivíduos mais velhos, as taxas de mortalidade eram um pouco mais baixas entre os mais cheinhos (mas não entre os obesos, com IMC muito acima de 30).

    Ninguém sabe por que essa aparente proteção acontece. Nas idades em que o efeito aparece, afinal, doenças cardiovasculares e pulmonares são mais comuns. Uma explicação possível é que o sobrepeso discreto forneça uma reserva de energia para a pessoa resistir às enfermidades, mas essa tese ainda tem de ser comprovada.

    Nem é preciso dizer que Flegal levou muita pancada por ter capturado tão bem essa nuance estatística. Médicos e pesquisadores que passaram anos receitando regimes e remédios para emagrecer acharam que isso só ia confundir o público e reforçar a ideia, cada vez mais comum, de que a ciência só produz resultados contraditórios uns com os outros.

    Pois esta coluna considera que nada é mais saudável do que expor, no consultório ou na imprensa, como a marcha do conhecimento nada tem de linear. À medida que as pesquisas avançam e recolhem mais dados, as explicações anteriores vão sendo refinadas e, por vezes, abandonadas.

    A mensagem geral, de todo modo, pouco se alterou: a obesidade propriamente dita continua sendo prejudicial à saúde; praticar exercícios sempre é recomendável; gordura concentrada na barriga é o que realmente deve preocupar as pessoas.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024