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    Marcelo Leite

    Adieu, Paris

    13/12/2015 02h00

    Esta coluna é escrita na noite de sexta-feira (11), sem que se saiba qual acordo, afinal, foi concluído sábado em Paris na COP21, a conferência do clima. Qualquer que seja, contudo, está claro desde antes de a cúpula começar que seria decepcionante.

    Veja bem: decepcionante, não um fracasso. Fracasso houve em Copenhague (2009), quando as negociações para combater o aquecimento global ruíram sob o peso das expectativas criadas.

    A Paris chegaram todos ressabiados. Muito antes da viagem já ocorrera um gigantesco processo de redução das ambições. E a diplomacia francesa preparou bem o terreno para proclamar vitória a obtenção de algum acordo, mesmo que fraco.

    Após o fiasco dinamarquês deu-se a guinada de 180 graus: desistiu-se de regras de cima para baixo, que impusessem obrigações a países de reduzir suas emissões de gases do efeito estufa (como o CO2), em favor de uma abordagem de baixo para cima.

    O resultado é que, pela primeira vez, a maioria das nações assumiu compromissos para cortar CO2, as famigeradas INDCs (contribuições pretendidas nacionalmente determinadas, na sigla em inglês).

    Voluntários, é verdade. Sem verificação externa, correto. Com revisões quinquenais, vá lá, ainda que sem obrigação de melhorar as metas. Tudo isso é novo e é bom, mas não é ótimo. Nem suficiente.

    Nunca esteve em discussão, em Paris, aumentar as metas anunciadas em cada país. Portanto já se sabia de antemão que elas não seriam suficientes para manter a atmosfera do planeta no limite razoavelmente seguro de um aquecimento máximo de 2°C.

    A novidade parisiense foi estreitar o alvo. Dificilmente terá deixado de entrar no texto final a menção a um limiar "bem abaixo" de 2°C e a ter em vista 1,5°C.

    Esta marca é bem mais segura para os países-ilhas do Pacífico e do Caribe, por exemplo, que seriam parcialmente submergidos pelo derretimento de calotas de gelo como a da Groenlândia.

    A citação a 1,5°C foi bem recebida por todos, por elevar o nível de ambição do Acordo de Paris. Pesquisadores presentes à COP21, porém, criticaram a ausência de provisões com clareza e força bastantes para indicar o caminho até esse objetivo.

    Ora, as INDCs em seu estado atual entregariam, no melhor cenário, pelo menos 2,7°C de aquecimento. Um desastre. Na frase inesquecível de Kevin Anderson, do Tyndall Center do Reino Unido, algo entre o perigoso e o mortal para as populações mais pobres e mais vulneráveis do mundo.

    Não apenas elas. Só nesta semana houve enchentes no Reino Unido e na Índia. A primeira, causada pela tempestade Desmond, foi atribuída –outro caso raro de audácia científica– ao aquecimento global por pesquisadores de Oxford.

    Na contramão do alarme crescente entre cientistas, negociadores de Paris estavam prontos para se livrar do termo "descarbonização". Parece óbvio que a Arábia Saudita queira abandoná-lo, bem menos que os outros países concordem com isso.

    O mundo humano é feito de palavras e fatos.

    As palavras acordadas em Paris podem até emitir os sinais corretos para que financistas comecem a considerar a prudência de desinvestir seus recursos em empresas de combustíveis fósseis.

    Os fatos, contudo, apontam noutra direção: em novembro a produção de petróleo foi mais uma vez aumentada pela Opep.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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