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    Marcelo Leite

    Hanseníase sem fronteiras

    27/12/2015 02h00

    Faltam quatro dias para terminar o ano. Já vai tarde, 2015. Bem que poderia levar consigo certas cunhas de desgraça metidas nos palácios de Brasília. O momento de passagem é propício para parar e se perguntar: por que o Brasil não consegue se livrar da hanseníase (ou "lepra", como se dizia antes)?

    A doença crônica é causada pela germe Mycobacterium leprae. Muito infeccioso, ele no entanto leva poucas pessoas a desenvolver plenamente a enfermidade. Ao contrário do que reza o estigma antigo, ela tem tratamento e cura.

    É uma vergonha nacional figurar, já na segunda década do século 21, entre os três países responsáveis por 80% dos 206 mil novos casos detectados por ano. Com 31 mil infecções em 2013, ocupamos esse pódio medieval com a Índia e a Indonésia.

    A coisa é mais feia em Estados como o Pará, com muita pobreza, comunidades isoladas e difícil acesso para equipes de saúde. Lá se descobre uma média de 4.000 mil casos por ano, ou 50 para cada grupo de 100 mil habitantes –três vezes a marca nacional, de 17/100 mil.

    Uma das razões para essa moléstia ainda prevalecer entre nós é o subdiagnóstico. Não é fácil identificar precocemente casos de hanseníase, que tem período de incubação de 3 a 7 anos.

    Para aumentar a detecção de novos casos e iniciar tratamento mais cedo é recomendável tomar por alvo crianças e jovens. Isso pode ser feito por meio de rastreamentos em escolas nas localidades com alta incidência, mas, com os recursos escassos do sistema público de saúde, em especial em Estados pobres, é preciso priorizar.

    Como? Josafá Gonçalves Barreto, da Universidade Federal do Pará (UFPA), recorreu aos sistemas de informações geográficas (SIG), que nada mais são do que programas de computador para mapear e analisar estatisticamente certas variáveis (por exemplo, casos notificados de hanseníase).

    Ele e sua equipe trabalharam em duas cidades paraenses: Castanhal, 68 km a noroeste de Belém por estrada pavimentada, que, com 44,4 casos detectados por 100 mil moradores, se classifica como hiperendêmica; e Oriximiná, 820 km a oeste da capital e acessível só por barco ou aeronave, 22,3/100 mil, área "apenas" endêmica.

    Barreto desenvolveu parte de sua pesquisa de doutorado na Universidade Emory, em Atlanta (EUA). Sua temporada lá foi custeada pelo Ciência sem Fronteiras, criado no governo da presidente Dilma Rousseff (PT).
    Analisando a distribuição dos endereços dos casos reportados nas duas cidades (respectivamente 380 e 68), de 2006 a 2010, o pesquisador identificou áreas de alta incidência ("clusters"). Com base nisso, escolheu para fazer o rastreamento inicial, em 2010, determinados domicílios (427 crianças) e colégios (323 delas).

    Dois anos depois, o grupo retornou aos locais para retestar esses indivíduos, mas só encontrou 254 (33,8%). Destes, 43 (16,9%) receberam diagnóstico de hanseníase.

    Em duas escolas de áreas com alto risco, chegaram a identificar 8,2% de prevalência entre crianças de 6-14 anos (leia aqui ). Isso é o dobro do que normalmente se encontra em escolas definidas sem recurso ao SIG. Se o cobertor for curto, recomenda-se escolher bem qual parte do corpo é preciso cobrir.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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