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    Marcelo Leite

    Todos os olhos na China

    24/01/2016 02h00

    A China e sua economia paquidérmica não param de surpreender o mundo. Quando não é porque crescem acima de 10% anuais, é porque crescem abaixo de 7%.

    A polvorosa que o dragão menos hiperativo vem causando nos mercados, ao lado da queda vertiginosa do preço do petróleo, tem obscurecido outro fenômeno chinês marcante: a queda em suas emissões de gases do efeito estufa. Aliás, uma coisa tem tudo a ver com a outra.

    O aumento na produção num país costuma ser acompanhado de aumento proporcional no consumo de energia. Na China, até há pouco, isso implicava queimar mais carvão para produzir eletricidade.

    Em 2015, o PIB chinês expandiu-se 6,9%, disseminando o temor de que desaceleração deprima a demanda global por insumos como minério de ferro. No mesmo período, contudo, as emissões de carbono –como o CO2, principal gás a agravar o aquecimento global– caíram entre 3% e 4%.

    Trata-se de uma excelente notícia. A China, afinal, é o país que mais polui no mundo. E sempre deixou ambientalistas de cabelos em pé porque, além de tudo, tem grandes reservas de carvão mineral.

    Os dirigentes da ditadura asiática perceberam, porém, que a coisa toda era insustentável. Não caíram no conto de que a denúncia do aquecimento global é um engodo anticapitalista, ou uma conspiração para impedir o desenvolvimento de nações pobres.

    Começaram a substituir usinas termelétricas movidas a carvão por outras que funcionam com gás e a investir pesado em energias renováveis.

    Hoje estão entre os maiores fornecedores mundiais de componentes para usinas eólicas (energia dos ventos) e fotovoltaicas (solar).

    O resultado, em termos de emissões de carbono, ficou evidente em 2015: mesmo com a economia em crescimento, a queima de carvão pelo setor energético caiu coisa de 4%, segundo nota (bit.ly/1OEtlXz) do boletim "Energy Desk" do Greenpeace. O consumo de petróleo aumentou, mas 1,1%, muito abaixo do indicador de avanço do PIB.

    Ou seja, daqui para a frente a indústria petrolífera não poderá contar com a manutenção de demanda chinesa. É provável que ela diminua nas próximas décadas, afinal a China também assumiu compromissos, na Conferência de Paris, que apontam para a contenção de suas emissões em algum ponto após 2020.

    São compromissos voluntários, é verdade. Mas os mandarins de Pequim têm outro incentivo poderoso para desembarcar do carvão e do petróleo: poluição do ar. A coisa é tão séria que se tornou um dos principais combustíveis para movimentos sociais de contestação ao regime do Partido Comunista.

    A boa nova é que o smog –névoa produzida pela queima de combustíveis fósseis– diminuiu cerca de 10% em média nas metrópoles chinesas. A má é que nada menos do que 80% das 366 cidades monitoradas ainda ultrapassam os limites legais de material particulado naquele país, que por sua vez ficam aquém do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

    O galho é que economistas do mundo todo começam a pôr em dúvida as estatísticas do governo chinês. Se estiver manipulando dados do PIB, por que não faria o mesmo com os de emissões e poluição?

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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