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    Marcelo Leite

    Clima perfeito para o zika

    14/02/2016 02h00

    Uma coisa que tem pipocado nesse frenesi do surto de zika é apontar como causa direta o aquecimento global. Pode até ter concorrido para isso, mas ainda estamos longe de poder afirmar o nexo entre uma coisa e outra.

    A lógica por trás da hipótese tem por foco o mosquito Aedes aegypti. O vetor, afinal, precisa de um mínimo de duas coisas para se reproduzir: água e calor.

    Com a mudança do clima, ambos os fatores devem se tornar mais abundantes em várias partes do mundo. O aumento da temperatura média ajudaria a ampliar as áreas de distribuição do mosquito pelo planeta, ao mesmo tempo em que acarreta aumento de precipitação (mais calor, mais evaporação e mais chuva).

    No entanto, nem tudo que faz sentido ou parece verossímil é verdadeiro. Tem de provar.

    Por mais que amigos ambientalistas queiram acreditar na hipótese, conveniente para dramatizar sua causa, dá-la por confirmada nas redes sociais e alhures não difere muito de atribuir a epidemia a mosquitos transgênicos, larvicidas ou vacinas. Vamos devagar com o andor.

    Não se exclui que o Aedes tenha ganhado o mundo com ajuda do aquecimento global, mas certamente pesou muito o aumento do comércio e das viagens internacionais. Sem aviões, nem o inseto nem pessoas infectadas chegariam tão rápido a todos os cantos do planeta.

    O zika se espalhou em lugares como o Brasil porque o mosquito já estava aqui, muito bem instalado. Espalhando a dengue, aliás, que infectou 1,5 milhão de pessoas e matou 800 em 2015.

    É verdade que a explosão de casos de microcefalia associada com os casos de zika abre uma perspectiva um tanto apavorante, sobretudo no plano individual. Na escala social, porém, é com a dengue que as autoridades de saúde pública devem preocupar-se prioritariamente.

    Quem, no entanto, tem os meios e a coragem de adotar metas mais ambiciosas de universalização do saneamento básico no Brasil? Os EUA têm o Aedes e casos de dengue, agora também de zika, e não têm epidemias.

    No Brasil, onde há muito esgoto a céu aberto e muita gente precisando estocar água, além de pouco ar condicionado e poucas telas nas janelas e portas, é mais fácil prometer o impossível (vacina contra zika em um ano) e culpar o aquecimento global pela nossa falência como sociedade civilizada.

    Não custa nada. Só mais atraso.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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