A notícia da semana é de dar frio na espinha. A situação do manto de gelo na Antártida parece bem mais instável do que se acreditava até agora.
Com a crise do impeachment (ou golpe, como preferir) pegando fogo, ninguém vai se preocupar com o que acontece num continente a milhares de quilômetros de distância, onde não mora ninguém e só pinguins aguentam o frio.
Verdade, nada acontecerá de extraordinário ou ameaçador na Antártida neste ano. Porque já está acontecendo. Há cada vez mais indícios de que sua contribuição para elevar o nível do mar no planeta todo já começou a se acelerar.
O portador da má nova é um estudo publicado nesta quinta-feira (31) no periódico "Nature" por Robert DeConto (Universidade de Massachusetts) e David Pollard (Universidade do Estado da Pensilvânia): o continente gelado vai desferir um golpe forte na humanidade, e logo.
Pelo menos 70% da água doce da Terra está no continente austral na forma de geleiras. Em alguns lugares, o manto branco alcança espessura superior a 4 km.
Traduzindo: se você quiser chegar na rocha, terá de abrir num buraco de mais de 4.000 m para alcançá-la. Dependendo de onde cavar, o leito pode estar abaixo do nível do mar.
Todo esse gelo, derretido, elevaria os oceanos em 60 metros. Antes se acreditava que levaria vários milênios para isso ocorrer, mas o prazo em realidade deverá ser menor. Em poucos séculos o nível pode subir uma dezena de metros.
Neste 21º, em vez de uns 50 cm, seria mais de um metro. O bastante para inundar boa parte do Rio e do Recife. O que não mudaria nada nas eleições de 2018 -mas deveria.
DeConto e Pollard, como tantos climatologistas, trabalham com modelos de computador que simulam o comportamento dos atores principais da mudança climática. No caso deles, o gelo da Antártida e da Groenlândia.
O teste crucial desses simuladores é sua capacidade de "prever" o passado. Se alimentados com os parâmetros conhecidos do clima milhares e milhões de anos atrás, precisam ser capazes de reproduzir a elevação ou a retração do nível do mar registradas pela geologia.
Eles nunca foram muito bons nisso. Até que incluíram no modelo um fator cada vez mais evidente: o solapamento na base da plataforma de gelo antártico.
Geleiras são rios de gelo em movimento, que não param de correr para o mar. A maior parte delas se assenta sobre rocha, mas no litoral a frente avança sobre o oceano e só é bloqueada por plataformas, que se quebram aos poucos e formam icebergs.
O aquecimento do mar e a infiltração por fissuras da água líquida acumulada no topo da geleira estão erodindo sua base e as plataformas por baixo. Podem também criar um colchão de líquido sob a parte apoiada na rocha, lubrificando e acelerando seu avanço para o oceano.
Aumenta, assim, a velocidade de perda de gelo na Antártida (e também na Groenlândia, onde o manto é bem menor). Na parte ocidental do manto antártico, o ritmo já progrediu 60%; em certos pontos da península Antártica, 140%.
DeConto e Pollard incluíram esse fator no modelo e conseguiram "explicar" os vaivéns do nível do mar no passado. E pintaram um cenário alarmante até o ano 2100: vai ter golpe, e forte, da Antártida.
É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
Escreve aos domingos
e às segundas.