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    Marcelo Leite

    Papo de gordão

    23/05/2016 02h00

    Sete meses atrás escrevi aqui uma coluna, toda animada com a notícia de que ser cheinho (índice de massa corporal, ou IMC, de 25 a 30) parecia ser bom para a saúde. Pois não é bem assim: um novo estudo indica que a aparente proteção deve ser um artefato estatístico.

    "Eu sabia que aquilo era papo de gordão", vão dizer aquelas pessoas cruéis, incapazes de ter pena de quem não consegue emagrecer e fica inventando desculpas. Sintam-se então vingadas: o melhor para se manter saudável, tudo indica, é mesmo continuar esbelto, com IMC na faixa de 22-24.

    Índices de 18,5 a 24,9 correspondem ao peso normal, saudável. De 25 a 29,9, há sobrepeso. Acima de 30, obesidade.

    Como o leitor já deve estar aflito tentando lembrar como se calcula o IMC, lá vai: peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros. Por exemplo, se uma pessoa medir 1,73 e pesar 90 kg, seu IMC será de 30 (1,73 X 1,73 = 2,9929; 90 ÷ 2,9929 = 30,07), e ela estará um pouco além do limite entre sobrepeso e obesidade.

    O IMC não é uma medida precisa da gordura presente no corpo, mas dá para o gasto. Há quem prefira usar a circunferência do abdome. Qualquer que seja a medida, certo é que o excesso de tecido adiposo está comprovado como fator de risco para doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer.

    O estudo de acompanhamento de longo prazo que havia entusiasmado o pessoal "dos ossos grandes" era de Katherine Flegal. Seu trabalho de 2013 reuniu mais de uma centena de artigos e dados sobre 3 milhões de pessoas. Mostrava que indivíduos mais velhos tinham taxas de mortalidade um pouco mais baixas quando eram cheinhos (mas não obesos).

    A nova pesquisa partiu de Dagfinn Aune. Como Flegal, ela produziu uma meta-análise, nome reservado para artigos de revisão que padronizam as estatísticas de vários estudos para poder comparar seus dados como se fossem de uma única e gigante amostra. São o padrão ouro da medicina baseada em evidências.

    A diferença é que Aune amealhou dez vezes mais dados, referentes a 30,3 milhões de pessoas recrutadas em 230 estudos, a maioria deles realizada na Europa (96), América do Norte (71) e Ásia (49). Apenas 3 eram da América Latina.

    Ela fez mais: conduziu análises separadas para grupos de fumantes e não fumantes. Agiu assim porque o tabagismo é o principal fator capaz de confundir a correlação entre excesso de peso e risco aumentado de morrer.

    Fumar está associado tanto com doenças cardiovasculares e tumores quanto com perda de peso. Se a amostra do levantamento tiver muita gente mais magra e que morre mais cedo porque fuma, as estatísticas poderão fazer parecer que sobrepeso (IMC de 25 a 30) é bom para a saúde.

    Aune constatou que, entre 10 milhões de pessoas que nunca fumaram acompanhadas em 53 levantamentos, o menor risco de morrer aparecia na faixa de IMC 23-24. Se consideradas entre elas as que gozavam de boa saúde, sem problemas como diabetes, saíam-se melhor as ainda mais magras (IMC 22-23).

    Assim como a pesquisa de Flegal passou por um processo de discussão e questionamento, que levou à hipótese posta em teste no estudo de Aune, este também passará pelo mesmo processo. Assim caminha a empreitada científica, em zigue-zague, cada artigo voltado a considerar aquilo que o outro deixou de ver.

    Os gordinhos e gordões podem agora esperar sentados e torcer para que alguém venha logo desdizer Aune. Mas o melhor seria deixar de papo furado e tomar tento do que concluía a coluna de sete meses atrás: obesidade continua sendo prejudicial à saúde, e sempre é recomendável praticar exercícios.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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