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    Marcelo Leite

    Ao vencedor, as batatas...

    12/06/2016 02h00

    ... e tomates, milho, chocolate, mandiocas, abacaxis, morangos, mamões, abacates etc.

    A chegada dos conquistadores europeus às Américas, no século 15 deu início ao que cinco séculos depois se chamaria globalização. Os portugueses, com seus hortos e jardins de aclimação, deram a largada num intercâmbio vegetal que continua até hoje.

    Quem consegue imaginar a Itália sem os tomates? A Europa sem as batatas? A África sem mandiocas? As repúblicas das bananas da América Latina sem bananas? E o Brasil sem cana-de-açúcar?

    Comparado com os milhões de anos consumidos na evolução dessas plantas e os milênios que populações locais levaram para domesticá-las, o ritmo da mundialização agrícola foi frenético. Hoje a maior parte das pessoas não faz ideia da origem verdadeira dos vegetais que consomem.

    Alguém poderia supor que as batatas fossem naturais da Irlanda. Não seria descabido, porque esses tubérculos eram tão cruciais para a segurança alimentar daquele país no século 19 que a doença causada pelo fungo Phytophthora infestans arrasou plantações das quais dependiam dois quintos da população.

    A tragédia de 1845 ficou conhecida como Grande Fome. A morte por inanição fez 1 milhão de vítimas, e outro milhão emigrou até 1852. Por mais importante que fosse para a Irlanda e a Europa em geral, a batata não se originou por lá.

    A Solanum tuberosum foi domesticada nos Andes, milênios antes do conquistador Francisco Pizarro. Quem já visitou a feira Mistura, em Lima, sabe que há milhares de variedades de batatas por lá, de todas as cores e formatos.

    Não fossem os conquistadores a transplantá-las para o outro lado do Atlântico, a culinária europeia não conheceria o "purée", as "mashed potatoes", as "Bratkartoffeln" e as batatas ao murro (coitado do bacalhau).

    Dos pré-colombianos da América Central herdamos as dádivas do milho, do cacau, dos mamões e dos abacates, que se espalharam pelo mundo. A cana-de-açúcar chegou ao Brasil da Ásia, mas nossos índios legaram para os outros povos a mandioca e o abacaxi.

    Arroz, trigo e soja partiram também da Ásia para alimentar o globo inteiro. Para saber mais sobre essas "regiões de diversidade primária", veja aqui, em inglês.

    Atualmente se planta de tudo em toda parte, mas só um pequeno número das variedades. Um levantamento hercúleo apresentado na semana passada mostra que, na média, quase 70% do que cada país cultiva são vegetais de outras paragens.

    O estudo coordenado por Colin Khoury debruçou-se sobre 151 cultivos agrícolas em 177 países (98% da população mundial). Ele mostra que o recurso a plantas "estrangeiras" aumentou em cinco décadas (1961-2011), na média de todos os países, passando de 64,2% da produção para 69,5%.

    O co-autor Luigi Guarino ressaltou num comunicado que as variedades tradicionais de cultivares e seus parentes silvestres de uma pequena parte do mundo poderiam ser decisivas para o mundo todo.

    Elas representam um pequeno tesouro de diversidade genética para enfrentar adversidades como a praga na Irlanda: "Precisamos protegê-las em seus habitats naturais, coletá-las para conservação em bancos de genes e compartilhar amplamente para tornar nosso sistema alimentar mais resiliente".

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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