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    Marcelo Leite

    Quadrilha de fósseis

    19/12/2016 02h02

    Jae C. Hong - 11.ago.11/Associated Press
    Trump escolhe quatro amigos do aquecimentoglobal para postos decisivos em seu governo
    Trump escolhe quatro amigos do aquecimento global para postos decisivos em seu governo

    Quando o republicano Donald Trump foi eleito presidente dos EUA, muitos viram nisso uma péssima notícia para os esforços ainda tímidos de atenuar a mudança climática. O empresário improvisado como político, afinal, afirmava que o aquecimento global era uma farsa criada por chineses para prejudicar a economia americana.

    Nas primeiras semanas, muito se escreveu (inclusive este colunista) para dizer que Trump dificilmente teria condições de modificar a rota da descarbonização na economia mundial.

    A grande marcha é puxada pela China, cujos governantes não fazem pouco caso da ciência. E nos EUA boa parte do capital financeiro e um pujante setor de energias limpas (eólica e solar) garante músculos para a jornada rumo à independência dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural, com fracking ou não).

    Pois bem, Trump mais uma vez demonstrou seu desprezo pela questão do clima. Fez isso escolhendo para cargos chaves de sua administração um trio de perfeitos fósseis.

    Começou pinçando Scott Pruitt para comandar a EPA, poderosa agência controladora do ambiente que ganhou do democrata Barack Obama poderes para regular também as emissões de carbono que agravam o efeito estufa.

    Pruitt é um negacionista declarado do aquecimento global causado por atividades humanas. Quando foi procurador-geral do Estado de Oklahoma, teve papel central nos processos que governos estaduais americanos movem contra a própria EPA e a legislação que aumentou sua jurisdição e criou problemas para regiões produtoras de combustíveis fósseis.

    Não satisfeito, Trump escolheu Rick Perry para dirigir o Departamento de Energia, peça obviamente importante na conversão do setor para fontes renováveis de geração, que não emitam poluição climática.

    Perry já foi governador do Texas, Estado tipicamente petrolífero (basta citar a dinastia Bush). Uma turma por assim dizer nas antípodas da pioneira Califórnia em matéria de energia limpa.

    Trump ainda tinha outra carta na manga para elevar as apostas: Ryan Zinke, deputado republicano pelo Estado de Montana, foi anunciado como futuro secretário do Interior. Ele é um famigerado defensor do carvão e quer suspender a proibição de explorá-lo em terras públicas.

    A gota d'óleo que extravasou o barril, no entanto, foi a confirmação de Rex Tillerson para o Departamento de Estado, cargo mais importante da administração nos EUA. Se alguém ainda alimentava dúvidas de que Trump iria pôr em prática suas noções equivocadas sobre mudança do clima, a escolha do CEO da ExxonMobil afogou-as num mar de petróleo e conflitos de interesse.

    O jornal "The New York Times", por exemplo, mostrou em reportagem que o executivo chegou a contrariar abertamente objetivos estratégicos de seu país perseguidos pelo departamento que agora vai dirigir e pôs em primeiro lugar os da empresa.

    Para piorar, outra reportagem primorosa do "Times" revelou em detalhes como hackers russos a soldo do Kremlin manipularam a eleição americana. Os ataques alvejaram seguidamente a candidata democrata Hillary Clinton e favoreceram o republicano Trump.

    O presidente-aprendiz, portanto, começa seu governo dentro de um mês devendo um grande favor a Vladimir Putin –ele próprio um peso pesado das energias fósseis e geopolíticas trogloditas.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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