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    Marcelo Leite

    CPI da Funai relatada por PSDB desperta saudades de dona Ruth

    08/05/2017 02h00

    Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
    PM entra em confronto com índios durante protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
    PM entra em confronto com índios durante protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília

    O relatório final da CPI da Funai, de autoria do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), é uma gracinha. Outros dirão: uma piada de mau gosto, que faria corar a antropóloga Ruth Cardoso (1930-2008), mas não parece afetar os atuais correligionários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Em suas 3.385 páginas, o relatório de Leitão, que é também presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, atira para todos os lados, como faria um jagunço. Pede o indiciamento de 50 pessoas, entre acusados de serem falsos índios, antropólogos, dirigentes de ONGs, promotores e funcionários públicos.

    Sobrou até o ex-ministro petista José Eduardo Cardozo (Justiça). Como superior imediato da Funai, ele teria responsabilidade nas supostas fraudes cometidas nos processos de demarcação. Nenhum ruralista, claro, aparece na lista.

    Em discurso recente, para defender a CPI, Leitão teve a pachorra de dizer que a iniciativa se fez em favor dos índios.

    "Essa CPI não é nem nunca foi contra o índio, contra o quilombola, contra o negro. Essa CPI é contra aqueles que usaram o índio, o negro, o quilombola para ganhar dinheiro obscuro, para praticar desvios de conduta e, acima de tudo, para não atendê-los", acusou.

    "O Brasil não vai bem nesse setor. Não vai bem mesmo! O Estado brasileiro falhou com essas minorias. [...]. O fato é que, nos últimos dez anos, o número de mortes de índios no Brasil aumentou quase 200%. De cada 100 índios mortos, 40 são crianças de 1 a 5 anos de idade. Ir contra essa CPI é ir a favor das falcatruas."

    Leitão não atenta apenas contra a lógica, mas também contra os números. Ele não cita a fonte de onde sacou os 200%, mas dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) indicam que, em 2015, houve 2.642 óbitos, contra 3.089 em 2014 –uma redução de 14%.

    Em 2013 haviam sido 2.789 as mortes. Não parece estar em curso um aumento de mortalidade entre povos indígenas.

    Também há imprecisão em afirmar que, de cada cem índios mortos, 40 são crianças de um a cinco anos de idade. Para a Sesai, são 29% do total os óbitos de zero a cinco anos.

    Isso quer dizer que a assistência de saúde oferecida aos povos indígenas pelo Estado brasileiro é boa? De modo algum. Menos ainda que as ONGs e a Funai estão matando índios.

    Cabe lembrar que o tucano Leitão andou frequentando o noticiário por outra proposta polêmica: o projeto de lei para permitir a remuneração de trabalhadores rurais com alimentação e moradia, e não só com dinheiro. Precisa dizer mais?

    Para quem não sabe, o PSDB já foi um partido bem menos troglodita do que alguns de seus integrante nos dias de hoje. Ao lado do PMDB, foi peça importante no reconhecimento de terras indígenas pela Constituição de 1988 como um direito originário desses povos.

    FHC foi o presidente que mais terras indígenas demarcou, 412 mil km². É possível até que numa mesa regada a vinho, seus amigos tucanos sejam tomados de vergonha, talvez até raiva, diante das convicções pré-capitalistas de seu correligionário mato-grossense, mas seria mais digno se viessem a público para repudiá-lo.

    Se querem mesmo refundar o partido, como andam pregando alguns ingênuos, podem começar honrando a memória de dona Ruth.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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