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    Marcelo Leite

    Reserva do Cobre na Amazônia não tem nada a ver com Mariana

    28/08/2017 02h06

    Agência Pará
    Floresta Estadual do Paru, à qual a Renca se sobrepunha e que possui áreas onde é possível extrair minério
    Floresta Estadual do Paru, à qual a Renca se sobrepunha e que tem áreas passíveis de mineração

    Ainda bem que Maurício Tuffani, editor do informativo "Direto da Ciência", pôs os pingos nos is a respeito da liberação da Reserva do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia, para exploração mineral da iniciativa privada.

    A liquidação privatista promovida por Michel Temer (PMDB) pode até agravar a pressão sobre a Amazônia, que viu o desmatamento aumentar nos últimos dois anos. O presidente abriu uma caixa de Pandora que ainda vai espalhar muitos males por este país infeliz.

    Já dizer que essa foi a decisão mais desastrosa dos últimos 50 anos, ou especular que vá ensejar tragédias como a de Mariana (MG), é o tipo de exagero que só tira crédito das justas causas ambientais (e elas são cada vez mais numerosas e preocupantes neste governo chantageado pela retrógrada bancada ruralista).

    A Renca foi criada ainda na ditadura militar (em 1984) para manter controle governamental sobre uma reserva estratégica de cobre e outros metais. Abri-la para exploração não é o mesmo que, digamos, amputar uma unidade de conservação (UC) ou terra indígena (TI) para construir uma ferrovia ou satisfazer grileiros, como na Floresta Nacional do Jamanxim.

    Sim, há sete UCs e duas TIs englobadas na área da Renca. O decreto de Temer, contudo, promete que elas não serão afetadas.

    Dá para acreditar? Essa é outra história. Provavelmente, não.

    Seja pela horrorosa crise fiscal-orçamentária, que aliás começou bem antes de Temer, seja pela sanha anticonservacionista do atual governo (compartilhada de resto pela antecessora petista, Dilma Rousseff), o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, que já não apitavam grande coisa, estão paralisados. Não têm chance contra as maquinações dos ruralistas no Congresso e nos gabinetes do Planalto.

    Acontece que a área da Renca não será devastada da noite para o dia. A liberação pode, de fato, incentivar o garimpo, a abertura de estradas, a grilagem, a extração ilegal de madeira e o desmatamento especulativo. Esses efeitos, se vierem, demorarão muitos meses, anos, coisa que o combalido Temer não tem pela frente.

    Além disso, demonizar a mineração não parece muito racional. Sim, ela pode ter um impacto negativo considerável sobre o ambiente. Isso quer dizer que não se devem explorar os recursos minerais na Amazônia?

    Quero ver algum ambientalista defender isso abertamente, e não nas entrelinhas, ou com analogias desvairadas como a de Mariana. Jair Bolsonaro iria adorar, faturando mais alguns votos potenciais com essa deixa imperdível para alimentar a paranoia nacionalista.

    Mariana foi um desastre pavoroso, único, fruto da incúria privada (Samarco) e pública (órgãos ambientais e de controle da mineração, estaduais e federais). Quem quiser acabrunhar-se diante da tarefa imensa e das dificuldades idem que rondam a Fundação Renova, encarregada de mitigar os danos sociais e ambientais, que leia a recente reportagem da revista "Exame".

    Isso não pode e não deve se repetir. Ou pior, pode, talvez até não seja improvável, dada a previsível incapacidade –crescente– do Estado de fiscalizar e prevenir, sobretudo após a terra arrasada por Dilma e Temer. Mas não será com batatadas retóricas nem com tuítes da Gisele que vamos endireitar tudo que está torto por aqui.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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