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    Marcelo Leite

    Prepare-se para a mudança do clima, pois ela já se tornou incontornável

    20/11/2017 02h05

    Ricardo Nogueira/Folhapress
    Ressaca em agosto fez o mar avançar e fechou avenida de Santos
    Ressaca em agosto fez o mar avançar e fechou avenida de Santos

    Terminou em Bonn, na Alemanha, a 23ª Conferência das Partes (COP-23) da convenção da ONU sobre mudança climática. Quase meio século de negociações, e mais uma vez pouca coisa saiu do lugar.

    Ficou tudo para resolver, ou quase tudo, na Polônia, ano que vem, durante a COP24. Ou para 2019, no Brasil, se vingar a proposta do governo Michel Temer (PMDB) de sediar a conferência de quase duas centenas de países (195 mais União Europeia, para ser preciso).

    Enquanto o tempo passa e nada de mais concreto se resolve, o dióxido de carbono (CO2) e outros gases do efeito estufa continuam a se acumular na atmosfera. Partimos de 280 ppm (partes por milhão) de CO2, na era pré-industrial, para mais de 400 ppm, agora.

    Os gases do efeito estufa que lançamos hoje permanecem retendo radiação solar na atmosfera por muito tempo, até mais de um século. A gastança de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) dos últimos dois séculos já garante um aquecimento global para lá de arriscado, não importa o que se fizer a partir de agora (e quase nada está sendo feito, perto do que seria necessário).

    Veja bem: o Acordo de Paris (2015) consagrou uma meta de 2ºC de aquecimento máximo, de preferência 1,5ºC. Só que a temperatura média da atmosfera já esquentou 1ºC. E as emissões passadas, mais as que ocorrerão em uma ou duas décadas (não se desliga uma civilização de petróleo da noite para o dia), nos põem numa trajetória de pelo menos 3ºC.

    A cada ano que passa, torna-se mais e mais complicado resolver a questão.

    Antes se acreditava que bastaria começar a diminuir as emissões de carbono paulatinamente, até zerá-las ali por 2040 ou 2050. Como ninguém tirou o pé do acelerador para fincá-lo no freio, como é racional fazer quando há um desastre à frente, vai ser preciso dar uma guinada e correr o risco de capotar.

    Será necessário recorrer à captura do carbono já emitido, para talvez injetá-lo nas profundezas da Terra –por ironia, ou injustiça poética, cogita-se fazer isso em poços abandonados de petróleo. Uma tecnologia que ninguém ainda domina direito, quanto mais provar que seja economicamente viável.

    Enquanto isso, em Bonn, com fizeram desde 1992, quando a convenção da ONU foi adotada no Rio durante a Eco-92, líderes de países ricos e pobres se engalfinham em torno do "princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas". Traduzindo: quem poluiu mais e antes deve agora financiar quem ainda acha que tem o direito de poluir (como o Brasil com seu pré-sal e seu desmatamento ainda em patamar alto).

    Uma picuinha de 23 anos, sem perspectiva de solução. Ainda mais agora que Donald Trump chegou para jogar carvão e óleo na fogueira.

    Prepare-se para a mudança climática, com suas secas (como a do Nordeste nos últimos seis anos), ressacas (como as que têm castigado Santos e Rio), furacões intensos (como Maria, Harvey e Irma, que devastaram Houston e o Caribe) e o desaparecimento progressivo de países insulares como Maldivas, Tuvalu e Kiribati.

    Kiribati? –perguntaria Trump. Who cares?

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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