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    Marcelo Miterhof

    Custos e lucros na infraestrutura

    10/01/2013 03h00

    O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, deu uma interessante entrevista para a Folha de 23/12/2012, na qual defendeu que o governo federal seja menos restritivo nas regras dos leilões de concessão, de maneira a permitir que as taxas esperadas de retorno dos projetos sejam mais altas.

    Isso poria em movimento uma cadeia virtuosa: os empresários teriam mais interesse em investir, alavancando as obras de infraestrutura, o que aumentaria a produtividade e, por fim, garantiria a sustentação de um ritmo mais elevado de crescimento econômico.

    Setubal usou ideias e termos keynesianos. "Há uma coisa que desperta o espírito animal como nada mais: o retorno que o empresário obtém. Quando tem possibilidade de retorno sobre investimento, o empresário reage imediatamente. Talvez o governo esteja sendo um pouco restritivo demais".

    Se o governo limita as taxas de retorno nas concessões, os empresários tenderiam a direcionar recursos para outros tipos de investimento, que não são tão benéficos para a produtividade e o crescimento.

    Há reparos a fazer nas afirmações de Setubal. Não é o lucro, mas a demanda que faz o empresário reagir imediatamente. Esse é o dado mais palpável que a realidade oferece a suas decisões. O lucro é uma decorrência da demanda, mediado pelas condições de concorrência e pelas inovações que cada empresa é capaz de criar.

    Projetos de infraestrutura em geral têm grandes indivisibilidades técnicas, que exigem investimentos vultosos e longos períodos de maturação (prazo para que as receitas superem as despesas). Assim, suas rentabilidades são pouco atrativas do ponto de vista puramente privado.

    Em compensação, são projetos que têm a longo prazo demanda mais estável e expressivas externalidades --como tornar a logística mais barata e eficiente--, o que os fazem rentáveis para o país.

    Essa conjugação faz com que mundo afora seja pronunciada a presença estatal em infraestrutura, mesmo após as ondas liberalizantes dos anos 1980 e 1990.

    Ainda assim, não há razão para, a priori, ser contra a presença privada em infraestrutura. Essa é uma decisão pragmática, com questões circunstanciais, como as capacidades financeira e de execução do Estado.

    Entretanto, não faz sentido reivindicar taxas de retorno mais elevadas para os projetos de infraestrutura. A competição nos leilões pode reduzir a taxa de lucro de partida. Contudo, a experiência indica que não é eficiente deixar gordura demais na definição de preços mínimos ou tarifas-teto.

    Se for ficar mais caro, que o Estado faça os projetos via obras públicas. O setor privado buscará investimentos mais rentáveis em outros setores, como diz Setubal.

    Setubal está certo ao dizer que pior é não fazer os investimentos em infraestrutura. Porém, sem a restrição fiscal do superavit primário, tais investimentos podem ser viabilizados no setor público.

    Acabariam mais caros? Não há milagre privado em obras de infraestrutura. Há produção e provisão de boas informações tanto da demanda pelos serviços de infraestrutura quanto dos projetos de engenharia associados. Isso permite melhor definir prioridades e diminuir a probabilidade de haver sobrecustos.

    Com riscos menores de sobrecusto, os concorrentes tendem a exigir taxas de retorno mais baixas em concessões. No caso das obras públicas, seria possível fazer contratos de empreitada (custo total fechado).

    Há boas experiências nesse sentido, como a das concessões de rodovias federais --a fase três da terceira etapa está em curso--, em que se ampliou a interação com os interessados, não apenas nas audiências públicas mas também pela disponibilização na internet de resultados parciais dos estudos para o recebimento de contribuições.

    Nas obras públicas, é possível que em parte dos casos seja recomendável fazer o projeto executivo de engenharia antes da licitação.

    É compreensível que governos de países em desenvolvimento tenham urgência em colocar em prática seus projetos. Por vezes, isso faz a discussão se desvirtuar para uma disputa ideológica de espaço entre iniciativas pública e privada.

    Melhor é reforçar o planejamento e discutir as formas de aperfeiçoar a qualidade das informações que servem aos investimentos de infraestrutura.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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