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    Marcelo Miterhof

    Por que tanta celeuma?

    DE SÃO PAULO

    10/04/2014 03h00

    Como é de amplo conhecimento, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) errou ao apresentar na semana passada um dado de uma pesquisa de opinião sobre a violência contra a mulher. A frase "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" teve a concordância de 26% dos entrevistados, e não de 65%, como inicialmente divulgado.

    É quase dispensável dizer que erros crassos acontecem a todos nós. Reconhecê-lo prontamente foi importante. Agora, o esperado é que os procedimentos internos de revisão e divulgação sejam reavaliados.

    O diabo é que a repercussão tinha sido estrondosa justamente em razão do dado equivocado. Nessas circunstâncias, guardar silêncio é um gesto de solidariedade, em especial porque fui bolsista da instituição por cerca de um ano no fim da década de 1990. Porém o caso tem servido para desqualificar uma iniciativa que tem méritos.

    O uso de sondagens de opinião pelo Ipea é relativamente recente, mas basta ler a nota técnica "Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde" –de 27/03/2014, divulgada juntamente com a pesquisa de opinião e disponível no site do instituto– para verificar que esse é um instrumento adicional aos tradicionalmente utilizados pela instituição, que costuma recorrer a informações públicas ou produzidas por instituições parceiras.

    A pesquisa de opinião tem a finalidade de verificar a evolução do que pensa a população acerca de temas civilizatórios que são alvo de diversas políticas públicas desde a redemocratização, como a Lei Maria da Penha, as delegacias de mulheres, a união civil gay, as cotas raciais, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Com mais acertos do que erros, elas são tipicamente o que se chama de política de Estado.

    A sondagem mais recente mostra que, no que se refere a questões de gênero e sexualidade a ação do poder público, bem como da sociedade em geral, tem dado resultados. A despeito de variações conforme a escolaridade, a renda, a idade, a religião, a origem urbana ou rural etc., o retrato é de uma sociedade em transição: ainda machista e conservadora, porém mais consciente de direitos individuais e da necessidade de combater mazelas históricas de uma nação em construção.

    Por exemplo, a imensa maioria das pessoas (91%) concorda total ou parcialmente com a frase "homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia". No entanto, 63% dos entrevistados concordam com a afirmação de que "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família".

    O homem ainda é visto como o chefe da família, mas não tem direitos irrestritos sobre sua mulher. A mulher "deve se dar ao respeito", porém deve se proteger e aos filhos, sendo o divórcio uma solução aceita para problemas no casamento.

    É um avanço que pouco mais da metade dos entrevistados acredite que casais gays devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais, embora 59% concordem que "incomoda ver dois homens, ou duas mulheres, se beijando na boca em público".

    O cruzamento dos dados da nota técnica –por exemplo, ao constatar que a chance de abusos cresce em razão da baixa escolaridade da vítima e de sua proximidade com o agressor– com os da pesquisa de opinião permite avaliar os resultados de políticas públicas e sugerir possíveis novas prioridades.

    Tenho dúvidas se a sondagem de opinião não ganhou demasiada centralidade. Ainda assim, não entendo por que houve tanta celeuma em torno dela. Tem sido comum, inclusive na Folha, o argumento de que ela revelaria um outro problema, o da atual politização da instituição. No entanto, nos anos de 1990, o Ipea fez, por exemplo, diversos trabalhos sobre as privatizações. É natural, pois essa era uma prioridade dos governos da época. Não vejo problema em mudar os focos.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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