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    Marcelo Miterhof

    Triste Venezuela

    26/06/2014 02h00

    Volto às experiências nacionais tratadas no livro "Padrões de Desenvolvimento econômico, estudo comparativo de 13 países: América Latina, Ásia e Rússia", editado pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) e organizado pelo professor da UFRJ Ricardo Bielschowsky. A vez é da Venezuela, cujo autor do capítulo é o economista Carlos Eduardo Carvalho.

    O país é um caso extremo dos males potenciais da doença holandesa: que ocorre quando a abundância de recursos naturais atrapalha o desenvolvimento produtivo. Na década de 1920, a Venezuela descobriu grandes reservas de petróleo, tornando-se à época o maior exportador mundial e segundo produtor.

    Isso proporcionou um crescimento rápido, embora instável. Em 1950, o país tinha a segunda maior renda per capita entre os países analisados na América Latina e Ásia, quase o triplo da brasileira e próxima a dos países desenvolvidos.

    Na Grande Depressão, a depreciação das moedas dos países ricos simultaneamente ao influxo de divisas do óleo foi o início de sua crônica valorização cambial.

    No pós-Guerra, o câmbio não impediu que a industrialização avançasse, tendo contribuído para baratear as importações de bens de capital, porém fez com que ela se concentrasse em setores protegidos da competição externa, em especial construção e infraestrutura, que cresceram graças à ampla disponibilidade de recursos fiscais.

    O paradoxal é que o país é, nas palavras de Celso Furtado, um caso de subdesenvolvimento com abundância de divisas. O balanço de pagamentos, que foi a grande restrição para a continuidade da industrialização na América Latina, não tinha por que ser problema na Venezuela.

    O diabo é que a economia venezuelana se configurou apenas como um capitalismo rentista, propiciado por um petróleo de fácil exploração, cuja produtividade dos poços sempre esteve bem acima da média internacional.

    Porém, como as ocupações geradas no setor são reduzidas, isso não elevava os salários reais em geral, que foram arrochados pelo excedente de mão de obra, pelo custo dos alimentos (a agricultura não se mecanizou, mantendo um nível elevado de empregos de baixa produtividade) e pela inflação em geral.

    As oportunidades de investimento geradas pelo crescimento do PIB não absorviam os recursos acumulados pelo setor privado, mantendo a estrutura produtiva arcaica.

    A despeito da renda per capita relativamente alta, se mantiveram as características típicas do subdesenvolvimento: grandes disparidades de
    produtividade entre os setores, distribuição de renda muito desigual entre campo e cidade e entre segmentos de uma mesma atividade, baixo padrão de consumo de massa, péssimos indicadores sociais etc.

    Para piorar, a abertura financeira nos anos 1970, em que a Venezuela acumulou dívida externa sem necessidade (as reservas externas se elevavam em montante equivalente), levou o país a sofrer com a fuga de capitais advinda da crise da dívida que abalou a América Latina, mesmo isso tendo ocorrido durante o segundo choque do petróleo, que elevou fortemente os preços de suas exportações.

    O texto não se deteve no período chavista, iniciado em 1999, em razão do elevado grau de ideologização que o cerca. Ainda assim, é possível notar que Hugo Chávez trouxe mudanças na forma como a renda do petróleo é repartida na sociedade, favorecendo a população mais pobre, o que evidentemente é bom para o país. Também houve nova tentativa de induzir a industrialização.

    Entretanto, não houve rompimento com o caráter de longo prazo da política econômica. Foi mantido o regime de câmbio fixo com tendência de apreciação da moeda local, embora menos acentuada do que historicamente tem ocorrido em períodos de elevação do preço do petróleo como o da década passada.

    As exportações não conseguem se diversificar, a demanda crescente ocorre sem que os investimentos sejam destravados e os problemas de balanço de pagamentos se avizinham, resultando em taxas de crescimentos voláteis –ainda que muito acima das verificadas nas décadas de 1980 e 1990– e em problemas de desabastecimento.

    As dificuldades do desenvolvimento da Venezuela são duradouras. O rentismo não é uma condenação, mas não é fácil se desamarrar dele. Por isso, me compadeço.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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