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    Marcelo Miterhof

    O negócio da China

    03/07/2014 02h00

    A conotação do termo "longo prazo" é o sentimento que mais marcou minha leitura do capítulo sobre a China, escrito pelo professor da UFRJ Carlos Aguiar de Medeiros, para o livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia".

    Essa característica pode ser atribuída a outros países asiáticos, mas as dimensões da China tornam bem mais impactante, mesmo que a observação
    ocorra apenas desde 1949, quando foi estabelecida a ditadura comunista que ainda rege o país.

    A urbanização e a industrialização marcam o período, mas isso ocorre gradualmente. A população rural, que era 90% do total em 1952, se mantinha em mais de 70% em 1995 e em 55% em 2007. No Brasil, a população rural era quase dois terços do total em 1950, se tornou inferior à urbana em meados dos anos 1960, sendo 21,6% em 1996 e 15,6% em 2010.

    O desenvolvimento chinês é fortemente condicionado pela restrição de recursos naturais, em especial de terras aráveis, cuja disponibilidade por habitante é a menor do mundo, cerca de um décimo da americana.

    A produtividade agrícola tem crescido, porém, segundo o texto, sua base de partida, muito baixa, faz com que ela seja o fator que isoladamente mais bem explica o desnível de renda per capita em relação aos EUA, bem como a crescente concentração de renda interna.

    É possível dizer que o regime se caracteriza menos pelo caráter socialista que pelo planejamento centralizado de um capitalismo estatal.

    É nisso que se sobressai o caráter de longo prazo. Claro, há intensa disputa política e mudanças de rumo no país. Entretanto, a ditadura garante que a estratégia vencedora seja levada à frente mesmo que ocorram insucessos.

    De 1949 a 1978, a China se caracterizou como um regime autárquico. Porém a dificuldade prolongada com a produtividade agrícola, ocorrida tanto durante a experiência de coletivização de terras até 1958 quanto no período da Revolução Cultural, de 1966 a 1978, fez a economia se abrir, se tornando um dos mercados mais internacionalizados no mundo.

    Nos anos 1980, é introduzido o regime de responsabilidade familiar, em que as terras permanecem do Estado, mas sua exploração é feita privadamente, com impactos positivos no campo. Ao mesmo tempo, há uma expansão das exportações de bens leves de consumo. Nos 1990, as exportações e os investimentos se diversificam e a partir do fim da década a indústria pesada e a urbanização ganham predominância.

    Nesse caminho, o Estado agindo com pragmatismo permitiu a entrada de firmas estrangeiras, o que não ocorreu no Japão e na Coreia, mas exigindo transferências de tecnologia para dar acesso ao mercado de 1,3 bilhão de pessoas.

    O esforço tecnológico também é facilitado pela concentração dos doutoramentos em ciências e engenharias. Embora a cobertura de 13% da população com ensino superior seja relativamente baixa, o país já produz doutores em montantes absolutos comparáveis aos dos EUA.

    Isso permite que, distintamente de outros países que se estabeleceram regimes de exportações com base em montagem, como o México, na China ocorra um efetivo esforço de capacitação tecnológica.

    O papel dos bancos públicos e das estatais é fundamental. Há ampla coordenação por meio dos planos quinquenais, controle de preços básicos e de fluxo de divisas, o que permite manter juros baixos e câmbio favorável à expansão econômica.

    Ao contrário do que se pode imaginar, o crescimento chinês não é puxado pelas exportações, como ocorre com outros asiáticos, mesmo elas representando 40% do PIB. As vendas externas financiam as importações de bens de capital e commodities, além de serem mais um componente da demanda efetiva. Mas é o investimento público e doméstico em geral, como em infraestrutura e na indústria, que mais puxam a economia. O consumo interno também é crescente, tendo havido aumento na massificação de bens duráveis mesmo nas áreas rurais.

    Assim, o país vai cumprindo a estratégia de Deng Xiaoping de "primeiro ficar rico" e redistribuir depois, como é a preocupação recente.

    A China permanece para mim algo insondável. Impressiona sua capacidade de persistir. O país é admirável, mas, mesmo com todas as dificuldades, fico feliz que o Brasil prefira os caminhos da democracia.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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