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    Marcelo Miterhof

    Cadeias globais de valor

    28/08/2014 02h00

    Em comemoração dos 20 anos da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização), ocorreu na sexta-feira passada o seminário "Qual inserção internacional do Brasil esperamos para os próximos anos?".

    Aspecto central no tema é o das cadeias globais de valor (CGVs), que carrega distintas contradições, possibilidades e limitações para o desenvolvimento nacional.

    O fenômeno não é novo, mas ganhou novos contornos a partir dos anos 1990. A disseminação das tecnologias de informação e comunicação permitiu a fragmentação e a coordenação à distância das atividades produtivas –em particular em indústrias de montagem, como a eletrônica e a automotiva–, possibilitando alocar mais livremente partes das cadeias conforme as capacitações e as vantagens de cada país.

    O liberalismo econômico viu nisso uma chance para reafirmar suas recomendações, tentando identificar no combate ao protecionismo uma via rápida para a industrialização de países subdesenvolvidos.

    A agenda é conhecida: redução unilateral de tarifas, realização de acordos de proteção de investimentos –em que, por exemplo, nações aceitam resolver questões jurídicas com empresas em tribunais internacionais de arbitragem– e a adoção de normas regulatórias típicas de países ricos, como legislações rígidas de patentes.

    Ao oferecer menores custos de comércio, um país se tornaria mais atraente aos investimentos das CGVs.

    A abordagem alternativa tem enfatizado que uma agenda tão restrita ao comércio só seria capaz de trazer benefícios para países pequenos e/ou muito pobres, para os quais pode ser positiva a atração de atividades simples e de competição em custos de trabalho, como a montagem de bens ou serviços de "call center".

    Senão, é necessário colocar em prática políticas de qualificação de suas empresas para melhor se integrar nas cadeias globais. Suas prescrições são mais interessantes.

    Há políticas transversais, como de infraestrutura e educação. Há iniciativas setoriais, que incluem atrair centros de P&D de transnacionais e unidades produtivas das empresas líderes ou seus fornecedores.

    A atuação setorial pode incluir ainda políticas de financiamento, compras públicas e benefícios tributários, entre outras, para desenvolver firmas de capital nacional como fornecedores globais de componentes e serviços intensivos em inovações, design e outras atividades que adicionem mais valor e gerem mais externalidades e encadeamentos na economia local.

    Tudo isso é proveitoso e tem seu espaço na formatação de políticas públicas no Brasil. Porém, chama a atenção que nesse debate pouco se fale sobre a possibilidade de o país criar ou liderar suas próprias cadeias globais de valor.

    Tais cadeias não são obras da natureza, mas criações de empresas, com apoio forte e variado de seus Estados. Se a alternativa for apenas se inserir em CGVs existentes, isso será feito sempre de forma subordinada às estratégias das firmas líderes.

    No passado, o Brasil não foi capaz de aproveitar suas vantagens naturais para criar, por exemplo, as CGVs do café, o que foi feito por grupos italianos, ou do chocolate, controlada por suíços e outros países que nunca plantaram cacau.

    Contudo, não faltam candidatos a mudar o rumo dessa história: energias renováveis (eólica, solar e biocombustíveis), mineração, agricultura. A tarefa é mais difícil e arriscada, porém recompensadora. E também há no Brasil exemplos de sucesso, como a Petrobras e a Embraer.

    Traço marcante dessas experiências foi a escolha de desafios: encontrar/explorar petróleo e desenvolver aviões. Para persegui-los, houve P&D e desenvolvimento de tecnologias quando nem sequer existiam esses mercados no Brasil.

    Hoje, no etanol, é preciso até criar o mercado no mundo. Em outros casos, é preciso estabelecer marcas ou redes internacionais de comercialização. Há casos em que é preciso desenvolver fornecedores de bens de capital ou insumos, como na indústria de alimento e nos próprios setores de petróleo e gás e de aeronaves.

    Não basta realizar as atividades corporativas mais nobres. É preciso que isso ocorra tendo o controle das cadeias. Por isso, é curioso que a crítica seja tão cerrada quando se busca que grupos nacionais dominem as cadeias de valor de carnes. Vale pensar no assunto.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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