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    Marcelo Miterhof

    Perspectivas industriais

    11/09/2014 02h00

    Nos últimos meses, usei o livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", organizado pelo professor da UFRJ Ricardo Bielschowsky e editado pelo CGGE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), para tratar das experiências de desenvolvimento desde o pós-Guerra de diversos países que costumam ser alvo de comparações com o Brasil.

    Não foram abordados todos os treze países do livro, mas os principais: Coréia do Sul, China, Indonésia, México, Chile, Venezuela e Rússia. A Argentina foi tema de artigo mais antigo (24.jan.2013), que teve por base versão preliminar de seu capítulo. O desenvolvimento brasileiro é o mote central da coluna.

    Hoje encerro tal sequência de artigos, usando a conclusão, escrita pelo organizador, como ponto de partida para refletir sobre os resultados e as perspectivas da industrialização nessas regiões.

    Há semelhanças visíveis. Todos os países se industrializaram em algum grau, para o que utilizaram vários instrumentos de protecionismo e ativismo estatal. Todos passaram por urbanização intensa, embora na América Latina (AL) isso tenha ocorrido mais cedo, mais rápido e mais descontroladamente do que na Ásia. Todos contaram com ampla oferta de mão de obra.

    Há também diferenças marcantes e interligadas. A América Latina é bem mais rica em recursos naturais do que a Ásia, com a exceção parcial da Indonésia. Isso implica que a pobreza era de início maior na Ásia. Em contrapartida, a concentração de renda era -e em geral ainda é- maior na AL.

    As diferenças se refletiram nas estratégias adotadas. Na Ásia, a escassez de recursos naturais -e, logo, de divisas- fez com que a busca do mercado externo fosse condição para viabilizar a industrialização. A relevância geopolítica da região na Guerra Fria permitiu baseá-la em empresas nacionais ou ser seletivo na atração do capital estrangeiro, impondo contrapartidas, por exemplo, em termos de transferência de tecnologia. Os asiáticos resistiram mais em liberalizar a movimentação de capitais, o que os deixaram menos expostos a crises externas.

    Na AL, a partir dos anos 1970, a dificuldade de criar uma indústria inovadora e autônoma deu força às críticas liberais e levou à reprimarização da estrutura produtiva, com exceção parcial do México e sua indústria dependente dos EUA ("maquiladoras") e do Brasil, em que a indústria de transformação sofre, mas resiste. Como resultado, o crescimento foi em geral bem menos descontínuo na Ásia.

    Porém, mesmo crescendo mais, a maior pobreza inicial faz os asiáticos continuarem a ter rendas per capita inferiores às dos latino-americanos, com a exceção da Coreia do Sul, o caso mais bem-sucedido de industrialização tardia.

    Essa é uma conjugação problemática para as perspectivas industriais do Brasil e da AL. O sucesso industrial e tecnológico de Coreia e China -além do Japão e de países menores como Taiwan- tem adicionalmente a vantagem de contar com enorme oferta de mão de obra barata entre seus vizinhos asiáticos.

    É difícil enfrentar tal concorrência. A solução liberal de reforçar unilateralmente a abertura comercial e combater o "custo Brasil" para induzir a competitividade e atrair o capital estrangeiro não deu bons resultados nos anos 1990, aumentando a vulnerabilidade externa e sendo incapaz de sustentar o crescimento.

    Por outro lado, se é desejável que a política econômica busque reduzir os juros e ter um câmbio menos apreciado, uma dose exagerada de desvalorização para fazer frente à Ásia prejudicaria a renda real dos trabalhadores. Ademais, o ajuste fiscal para compensar o efeito cambial comprometeria o crescimento por um bom tempo.

    Em particular, a alternativa é difícil de ser seguida porque a elevação dos preços das commodities com a emergência da China permitiu que a AL pusesse em marcha um inédito processo de inclusão social e distribuição de renda.

    Para destravar o caminho, é preciso criar condições para que as empresas locais se posicionem melhor e mesmo liderem cadeias de geração de valor, tendo a inovação e a presença global como vetores da busca dos lucros.

    Evidentemente, isso não precisa se restringir aos setores ligados a recursos naturais. Porém esse é provavelmente o melhor começo para qualificar o capitalismo e a indústria na AL e no Brasil. E nada como um bom começo.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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