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    Marcelo Miterhof

    Um país dividido

    30/10/2014 02h00

    E faz tempo! No mínimo, desde que os portugueses vieram colonizar esta terra, promovendo uma larga e duradoura escravidão.

    É a brutal concentração de renda e de riqueza que divide o Brasil, opondo pobres e ricos. Nesse contexto, o combate à desigualdade tem sido nos últimos anos um esforço de curar essa fratura.

    Tal esforço tem envolvido iniciativas variadas, que podem ser organizadas em três frentes. Uma é a da proteção social, casos do Bolsa Família e da política de valorização do salário mínimo, que melhoraram a distribuição de renda entre os assalariados, além de medidas civilizatórias como a equiparação dos direitos trabalhistas dos domésticos aos dos demais profissionais.

    Outra é a dos serviços públicos, como educação, saúde e, mais recentemente, mobilidade urbana. Ainda que tenham uma evolução sofrida, tais iniciativas aumentaram os gastos do Estado para incluir populações desatendidas e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

    No entanto, dada a dificuldade de estruturar serviços universais, que contam com financiamento e execução compartilhadas com Estados e municípios, a terceira frente conta com iniciativas compensatórias ou de criação de oportunidades, como o Mais Médicos, o Prouni, o Pronatec, as cotas nas universidades públicas e o Minha Casa, Minha Vida.

    Mudanças profundas não ocorrem sem tensão. Um país mais equilibrado é melhor para todos, porém, para muitos, não é fácil abrir mão de seus interesses imediatos em nome de um menos palpável bem comum.

    Isso se reflete, por exemplo, num elitismo tosco, que "denuncia" iniciativas triviais em países democráticos (programas de renda mínima, cotas raciais etc.) como sinais de uma suposta "cubanização" do país. Contudo, há mais que isso.

    Nas regiões metropolitanas, a nova classe média sofre com a carência de transporte público, saneamento, habitação etc. Num país que ainda não é rico, a infraestrutura tem dificuldade de acompanhar a melhora dos padrões de consumo privado.

    A inflação dos serviços tem se mantido acima do índice geral. Essa é uma inflação do bem, um ajuste de preços relativos fruto da distribuição de renda. Só que, se para os muito desfavorecidos esse processo só traz ganhos, os minimamente remediados podem ter a sensação de que a vida ficou mais difícil.

    Isso não se refere somente aos que se ressentem da dificuldade de continuar pagando uma empregada doméstica ou dos aeroportos cheios, mas, por exemplo, também aos pequenos empreendedores, que precisam arcar com salários maiores.

    O crescimento econômico é o mecanismo que permite distensionar tais conflitos. Claro, é mais fácil redistribuir quando todos estão ganhando mais. Por isso, as eleições de 2006 e 2010 tiveram resultados mais folgados do que a deste ano.

    Esse quadro também se refletiu no perfil de distribuição dos votos do domingo, embora a divisão eleitoral seja menos evidente que a social. Ainda assim -e juntando a isso uma imprensa francamente desfavorável ao PT-, é auspiciosa a constatação de que a maioria da população preferiu manter o apoio às políticas de redução da desigualdade.

    Não será fácil retomar o crescimento sustentado. Em particular, tomara que o governo não ceda à receita convencional, que prega o corte de gasto e a alta do juro para controlar a inflação e seria o remédio para reestabelecer a confiança empresarial. Num ambiente de estagnação, esse é o caminho da recessão.

    Alternativamente, o investimento público tem papel central na retomada do crescimento e no desdobramento das políticas de inclusão. As concessões são parte desse esforço, porém também são importantes as obras públicas. Por isso, é preciso recuperar a capacidade de gasto do governo.

    Reavaliar as desonerações tributárias -que tiveram o papel de conter a inflação e melhorar a competitividade de setores premidos pela competição externa- pode ser um caminho, ainda que sofra uma alta resistência política. Como elas não elevam necessariamente a demanda, nem sempre promovem o crescimento. Outra possibilidade é elevar alíquotas de tributos, como as do IR.

    Os ajustes possíveis, ainda que sejam todos de alguma forma dolorosos, não são iguais. A escolha entre eles precisa refletir a opção política feita na eleição.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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