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    Marcelo Miterhof

    Evolução sofrida

    13/11/2014 02h00

    A educação é uma unanimidade nacional. O problema é que não é incomum que o seu debate se resuma a uma questão de vontade (ou à reclamação de uma suposta falta dela entre os políticos).

    Por isso, venho tentando empreender uma tarefa arriscada: construir uma narrativa dos avanços e das dificuldades da trajetória brasileira. Um início seguro é olhar os indicadores de desempenho e de esforço.

    Quanto ao primeiro, há avanços visíveis nos resultados dos estudantes brasileiros no Pisa (avaliação internacional feita pela OCDE) e no Ideb (indicador do governo federal). Também vem diminuindo a distorção entre idade e série.

    Contudo, a evolução é sofrida. Os resultados do mais recente Ideb mostraram que as metas só foram cumpridas para a etapa inicial do ensino fundamental, tendo ficado aquém na etapa final e no ensino médio.

    Quanto ao esforço, não há dúvida: é crescente a prioridade da educação pública. O gasto total em relação ao PIB foi de 4,5% em 2005 para 6,4% em 2012, segundo dados oficiais. Quase todo o aumento se deu na educação básica.

    Aqui é que a narrativa se complica. O que tem significado no cotidiano escolar esse aumento de recursos? Quais são as dificuldades persistentes e o que avança?

    Em qualquer país é demorada a universalização da educação básica. Como o aprendizado também ocorre em casa, é duro fazer as transições, isto é, ensinar aos filhos mais do que seus pais puderam ter na escola. Para isso, recrutar professores entre os mais bem preparados da nação é uma estratégia frutífera.

    Mas, num país populoso e tão desigual, a elite é pequena. A escola pública conta com professores oriundos principalmente de classes populares, que tiveram eles mesmos uma formação acidentada.

    A professora da UFRJ Daniela Patti, com quem debati esta coluna, destaca que é comum, por exemplo, que professores dos anos iniciais do fundamental tenham falhas de formação para o ensino dos conteúdos de matemática e ciências.

    Assim, é chave investir na formação continuada dos profissionais. Por exemplo, a Faculdade de Educação da UFRJ recebeu neste ano verba federal para requalificar educadores de todos os municípios do Rio.

    Outra dificuldade é garantir a permanência do estudante na escola, em particular após o fundamental. A partir dos 16 ou 17 anos, há oferta de trabalho, cujas remunerações podem de imediato soar mais recompensadoras que continuar o estudo. Anos depois, tais jovens, que tiveram formação mais longa e melhor que a dos pais, talvez mudem de ideia, percebendo que a formação incompleta limita as chances de progresso.

    Por isso, é crucial a oferta da EJA (Educação de Jovens e Adultos). A EJA, porém, tem sofrido com perda de matrículas e falta de prioridade, já que não é avaliada pelo Ideb, algo pelo qual os governos locais têm sido crescentemente cobrados.

    O ensino médio sofre ainda de "crise de identidade". Parte dos jovens busca um curso superior, o que exige reforçar, por exemplo, o aprendizado de matemática e ciências. Outra prefere curso técnico, concomitante ou sequencial ao médio regular, que pode ser caminho mais certeiro para a ascensão social. O Pronatec e a expansão das escolas técnicas federais são boas iniciativas. Porém o duplo objetivo dificulta a formatação das políticas públicas.

    Há ainda uma multiplicidade de iniciativas, como a expansão da educação infantil, que já atinge quase 80% das crianças de 4 e 5 anos, ou a inclusão de crianças com necessidades especiais, que exige, entre outras ações, formar e contratar intérpretes da Língua Brasileira de Sinais. Isso sem esquecer as iniciativas mais conhecidas, como o Enem e o piso nacional do magistério.

    Retomar o crescimento sustentado é crucial para criar perspectivas que tornem a educação um caminho mais promissor de ascensão social. É ele que permitirá elevar os recursos disponíveis por aluno, pois, como proporção do PIB, o gasto do Brasil chegou ao patamar dos ricos.

    União, Estados e municípios compartilham dispêndios e responsabilidades num planejamento que deve atender a uma ampla gama de demandas e deficiências. Muita coisa tem sido feita. Mas os ganhos de qualidade, sem descuidar da inclusão educacional, dão-se de geração em geração, exigindo persistência e paciência. Um debate mais bem especificado e pragmático é proveitoso.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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