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    Marcelo Miterhof

    O avesso do avesso

    DE SÃO PAULO

    04/12/2014 02h00

    Na quinta-feira passada, quando foi anunciada a nova equipe econômica, a presidenta Dilma enumerou os objetivos de seu próximo mandato: inclusão social, acesso à educação, investimentos em infraestrutura, elevação da renda, entre outros.

    Uma reportagem do UOL destacou a declaração com o título: "Estabilidade política e econômica será prioridade, afirma Dilma". A escolha foi apropriada. Afinal, a novidade é a tentativa do PT de reeditar a estratégia de 2003, sinalizando uma política econômica ortodoxa para acalmar o dito "mercado".

    Deve o governo dar mesmo tanta bola ao "mercado"?

    É certo que ele erra rotineiramente. Uma reportagem do "New York Times" –http://nakedkeynesianism.blogspot.com.br/2014_10_01_ archive.html– mostra a euforia da Bolsa alemã com a indicação, em 1933, de Hitler como primeiro-ministro. Em 2002, Bolsa e risco-país indicavam grandes perdas em razão da iminente vitória de Lula, porém os ganhos se mostraram vultosos como havia muito não ocorria.

    É que a tão referida "opinião do mercado" reflete apenas o que pensam os ricos, tendo pouco a ver com um diagnóstico técnico, científico ou relativo a qualquer adjetivo que sugira, ainda que de maneira idealizada, uma ideia de neutralidade.

    Claro, os "agentes do mercado" não querem perder dinheiro. E, embora artificiais, para muitos, são sedutores os modelos ortodoxos, que evocam a parcimônia (em relação aos outros) para restabelecer a confiança empresarial, que seria independentemente da demanda a chave para sustentar o crescimento.

    Mas se deve ter em conta que o jogo de ganhos e perdas do "mercado" é fortemente influenciado pelo curto prazo. Boatos, crenças pessoais e outros fatores pouco coerentes com o desempenho de longo prazo dos negócios fazem parte da complexidade especulativa, para a qual a volatilidade dos últimos meses não é um problema, mas o meio de lucrar.

    Além disso, como estratégia política, para quem já é rico, pode valer a pena deixar de ganhar um pouco mais e evitar os transtornos ligados às mudanças na hierarquia social que a distribuição de renda e o crescimento "desequilibrado" (acelerado) trazem.

    Com tudo isso, não quero dizer que o governo deve ignorar o "mercado". Afinal, é alto seu poder econômico, por exemplo, para amplificar a depreciação cambial, o que num momento em que o país tem um desconfortável deficit externo prejudicaria os esforços de ajuste, em especial dado o impacto sobre a inflação.

    Ademais, a opinião dos ricos também domina a imprensa. Por exemplo, manchetes recentes usaram a palavra "rombo" para escandalizar a simples redução do superavit primário em 2014, algo esperado numa estagnação e de fácil defesa: neste momento, a poupança pública tende a trazer a recessão, o que piora os resultados fiscais.

    Todavia, não se trata de debate racional. As dificuldades econômicas dão a chance para que os ricos elevem a pressão política sobre o governo. Premido por uma vitória mais apertada, embora a quarta consecutiva, aposta-se na reedição da estratégia de 2003. O PT se preocupa com a estabilidade política e, por isso, cede aos apelos daquilo que a elite entende por estabilidade econômica.

    Difícil dizer se dará certo. A melhora de humor do "mercado" deve trazer alívio para o câmbio e destravar investimentos que foram suspensos em razão do cenário político conturbado. Mas, se a economia mundial não ajudar, é grande a chance de recessão.

    O novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi um dos que operaram a inflexão do governo Lula a partir de 2006, indicando uma tentativa de moderar a forma (qual combinação entre cortar gastos e aumentar receitas? Onde cortar? Rever desonerações ou elevar tributos e quais?), a intensidade e a duração do ajuste fiscal.

    Só que o Brasil de 2003 tinha caminhos mais fáceis de conciliar tal ajuste com a inclusão social. Um simples programa de renda mínima foi capaz de fazer diferença!

    É duro não se frustrar após uma eleição difícil. Poderia ser diferente. De qualquer maneira, desejo boa sorte à nova equipe econômica.

    Em relação aos trabalhadores e aos movimentos sociais, é preciso contrabalançar a disputa de opiniões. O Estado de Bem-Estar Social foi criado pelo fracasso liberal evidenciado pela crise de 1929 e à força do medo de revoltas socialistas. O poder econômico e de comunicação dos ricos se combate nas ruas.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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