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    Marcelo Miterhof

    Keynesianismo verde

    12/03/2015 02h00

    Foi lançado nesta semana em evento no Parlamento britânico o livro "Mission-Oriented Finance for Innovation: New Ideas for Investment-Led Growth" (Financiamento à inovação orientado por missão: novas ideias para um crescimento puxado pelo investimento), organizado pela professora da Universidade de Sussex Mariana Mazzucato e pelo economista brasileiro Caetano Penna (policy-network.net).

    Os organizadores avançam em sua agenda de pesquisa de entender como a capacidade inovadora capitalista se fundamenta na ação empreendedora pública.

    O setor privado é eficiente na fase final do processo inovador, voltado à comercialização de novos bens e serviços, obtendo eficiência de custos, aprimorando funcionalidades e apostando em diferenciações via design, marca etc.

    Porém as fases iniciais exigem recursos pesados e por muito tempo (frequentemente uma ou duas décadas). Os altos riscos de insucesso precisam ser suportados pelo Estado. Além disso, ele define missões, seleciona projetos, coordena esforços, corrige rumos e, depois, sustenta a demanda que induz os investimentos privados.

    A abordagem rompe com a ideia convencional de que a atuação estatal se restringe a suprir deficiências localizadas ligadas às "falhas de mercado". A constatação é que o Estado contribui para criar tecnologias, as difunde e ajuda a moldar novos mercados.

    O professor de Stanford Arun Majumdar, que foi diretor da agência pública americana Arpa-E e vice-presidente de energia do Google, destaca que os protocolos técnicos da internet foram publicados em 1974. Em 1983, foram implantados pela agência Arpanet. E foi preciso outra década para a web chegar ao público.

    Há outros exemplos –recentes (GPS, telas sensíveis ao toque, tecnologias de informação e comunicação) e antigos (estrada de ferro, eletricidade e outros serviços)– de criação e difusão de tecnologias a partir do sistemático apoio estatal.

    O livro avança buscando avaliar como a prolongada crise internacional pode afetar o desenvolvimento das tecnologias que mudarão os padrões de consumo no futuro.

    Desde os 1980 a liberalização financeira vem dando poder crescente ao setor privado para escolher as frentes de expansão a ser financiadas. Ao contrário do que supõe a opinião econômica convencional, o mercado não se mostrou eficiente em alocar tais recursos. Em vez de privilegiar atividades produtivas, trouxe bolhas imobiliárias.

    Mesmo no caso do financiamento via mercado de capitais a empresas tecnológicas, o professor Willian Lazonick destaca que os objetivos de curto prazo ganharam ênfase com o fim da vedação de algumas práticas. Por exemplo, com a possibilidade de recompra de ações pelas empresas, seus executivos, que recebem boa parte de suas remunerações nesses títulos, passaram a poder insuflar seus preços.

    O liberalismo levou o mundo à crise e é ruim sua receita de corte de gastos para sair dela. O "austericídio" dificulta superar a estagnação no curto prazo e, no longo, pode comprometer a criação via inovação de novas frentes de expansão do investimento.

    Como diz o professor Randall Wray, para seguir em frente, o mundo precisa se livrar do duplo mito de que os governos sofrem com a falta de recursos e de que a mão invisível das finanças promove o interesse coletivo.

    Uma constatação é que a força da missão escolhida é o que viabiliza politicamente a assunção de grandes riscos pelo Estado. Em alguns casos, são indubitáveis os ganhos coletivos dos pesados gastos com o desenvolvimento de inovações nas indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos.

    Em outros, a permissão para "pensar grande", por exemplo, para levar o homem à Lua, deveu-se a causas menos nobres, como a Guerra Fria. A prioridade militar já fez os EUA promoverem deficit fiscais, mesmo em governos de discurso liberal.

    Uma missão inovadora atual é clara e grandiosa: desenvolver as energias renováveis e outras tecnologias para fazer frente às mudanças climáticas. Talvez seja útil a força ideológica avassaladora (em alguns aspectos demasiadamente idealizada) que move o ambientalismo. Pode estar nele o remédio contra o dogmatismo da austeridade. Em vez de usar o discurso ambiental contra o crescimento, pode-se usá-lo a favor.

    *

    Que privilégio de Inezita Barroso: partir deixando boas lembranças a tantos!

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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