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    Marcelo Miterhof

    O lado bom

    19/03/2015 02h00

    Uma piada dos tempos do vinil dizia que tudo na vida tem um lado bom, menos o disco do Fulano (a vítima da brincadeira).

    Não é que o ajuste fiscal também pode ter sua serventia? Falo da tentativa do governo federal de elevar a taxação dos mais ricos.

    O benefício é conhecido. Os tributos são um poderoso mecanismo redistributivo, de busca de equilíbrio nas oportunidades individuais e incentivo às atividades produtivas. No Brasil, a maior taxação de produção e consumo é regressiva (pesa mais na renda de quem ganha menos) e prejudica a competitividade da indústria. O aumento da tributação da riqueza e da renda permitiria reduzi-la e corrigir tais distorções.

    Entre outras coisas, falou-se em regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e federalizar o imposto de herança, elevando sua alíquota. A discussão é boa.

    Por exemplo, o IGF é lembrado como uma iniciativa de justiça social, mas raramente sua lógica é explicitada. Em entrevista à "Carta Capital" neste mês, o ex-secretário de Finanças de São Paulo Amir Khair buscou mostrar que o IGF pode ser viável. A despeito do nome por demais eloquente, ele é apenas uma taxação da riqueza. A partir do patrimônio total declarado no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas, seriam fixadas alíquotas progressivas de contribuição.

    Por exemplo, até R$ 1 milhão, a cobrança seria nula, o que isentaria totalmente os patrimônios de ao menos 95% da população. Acima disso, a alíquota anual poderia ser de 1%. Quem tivesse patrimônio declarado de R$ 2 milhões pagaria R$ 10 mil a cada ano. Percentuais maiores seriam fixados para valores acima de R$ 10 milhões ou R$ 20 milhões.

    É bem-vindo um imposto sobre o patrimônio que atinja somente o dos mais ricos.

    A crítica diz que o IGF poderia levar a uma fuga de capitais e ter um baixo impacto. Khair duvida de que a ameaça de fuga se concretize em grande extensão. Faz sentido. A maior parte da riqueza tende a ficar onde se vive, trabalha e tem negócios. Além disso, a taxação sobre a riqueza é mais alta em outros países.

    Porém são de fato variadas as possibilidades de ocultar patrimônio, incluindo o uso paraísos fiscais. Talvez não seja fácil concretizar a previsão de Khair de arrecadar cerca de 2% do PIB com o IGF. O tributo deu certo em alguns países e fracassou em outros. Pode ser uma questão de o Brasil tentar.

    Uma alternativa que o governo considera é federalizar o imposto de herança, hoje estadual. Como no IGF, a arrecadação deveria ser dividida com Estados e municípios. A alíquota atual de 4% é baixa para o padrão internacional, que pode ter percentuais mais de dez vezes maiores.

    Vale notar que o IGF e o imposto de herança têm natureza regulatória: em vez de se fiar neles para sustentar a arrecadação, o objetivo é mais mitigar a vantagem patrimonial advinda do simples nascimento em uma família rica. Nesse sentido, a tributação da herança soa mais diretamente apropriada.

    Além disso, para que tais tributos possam funcionar adequadamente, o país precisa melhor controlar os fluxos de capitais. A divulgação de correntistas do HSBC na Suíça tem mostrado muitos brasileiros com dinheiro no exterior. Boa parte não é crime (corrupção, sonegação). Mas, num país que costuma ter problemas no balanço de pagamentos, não deveria ser fácil nem barato remeter recursos que residentes ganharam em atividades feitas internamente.

    A questão, como lembra minha colega Erika Araújo, com quem discuti a coluna, é que há outras iniciativas mais efetivas para elevar a tributação da renda e da riqueza.

    Uma é aumentar as faixas de contribuição do IR, acima de 27,5%. No mundo, as alíquotas finais costumam alcançar 50%. Por já ter uma estrutura de fiscalização desenvolvida, é mais fácil fazê-lo funcionar com uma maior progressividade. Ainda assim, é preciso aperfeiçoá-lo para ampliar a capacidade de capturar todos os tipos de remuneração (lucros distribuídos, rendas do trabalho autônomo, aluguéis etc.), corrigindo o desequilíbrio atual que onera os assalariados em demasia.

    Outra iniciativa seria reforçar o IPTU, exigindo a atualização periódica da planta genérica de valores com as estimativas dos preços dos imóveis. Como hoje isso depende da aprovação da Câmara de Vereadores, o IPTU tende a ser subutilizado.

    Que o resultado sejam benefícios de longo prazo para a equidade tributária.

    marcelo miterhof

    Escreveu até abril de 2015

    É economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

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