• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 14:09:35 -03
    Marcelo Viana

    Número pi parece esquisitão, mas é fonte inesgotável de maravilhas

    14/04/2017 02h00

    Reprodução
    Constante foi chamada de pi pelos gregos, que é a inicial de perímetro
    Constante foi chamada de pi pelos gregos, que é a inicial de perímetro

    O famoso físico Stephen Hawking conta em um dos seus livros um conselho que recebeu do editor: "Nunca use fórmulas matemáticas! A cada fórmula, o número de leitores (e de compradores) do livro cai pela metade!"

    Fosse porque desejava se comunicar com muitos leitores ou porque não queria arriscar sua renda, Hawking seguiu à risca a dica recebida. Mas hoje acordei com vontade de falar sobre o misterioso número π. Espero que os leitores pouco familiarizados com o tema se sintam intrigados e não intimidados.

    Todos nós fomos apresentados ao π na escola, mas acredito que para muitos isso tenha sido mais motivo de desconforto que de encantamento. Para a maioria, fica apenas a impressão de que se trata de um esquisitão, "um número que não acaba nunca". É pena, porque o π é realmente uma fonte inesgotável de maravilhas.

    Os gregos da antiguidade já sabiam que, quando desenhamos um círculo, o seu comprimento (que eles chamaram de perímetro, ou circunferência) é proporcional à largura (melhor, ao diâmetro). Ou seja:

    perímetro = constante vezes diâmetro

    em que a constante é sempre a mesma, qualquer que seja o círculo. Uma constante assim merece ter nome: os gregos a chamaram de π, que é a inicial da palavra "perímetro" em grego. Na verdade, tudo isto já era conhecido antes –os gregos aprenderam muitas destas coisas com os egípcios e os babilônios, como por exemplo que π é um pouco maior do que 3.

    Mas saber exatamente quanto ele vale é outra história. Manuscritos egípcios antigos contêm diferentes valores aproximados de π. Para coisas práticas, os babilônios faziam como se π fosse igual 3, embora soubessem que 3,125 seria mais correto. Eles influenciaram os hebreus: na Bíblia (Livro dos Reis) está escrito: "Fez o tanque de metal fundido, redondo, medindo quatro metros e meio de diâmetro [...]. Era preciso um fio de treze metros e meio para medir a sua circunferência". Isto significa que eles usaram π = 3, já que 13,5 é o triplo de 4,5.

    Mas os gregos foram além dos antecessores, encontrando meios engenhosos para calcular o valor de π. O grande Arquimedes (século 2 a.C.) desenvolveu um método que ainda é relevante hoje e usou-o para concluir que π está entre 3,1408 e 3,1429. Ptolomeu (século 3 d.C.), o maior astrônomo da antiguidade, usou o método de Arquimedes para chegar a 3,1416. O indiano Aryabhata (século 5 d. C.) chegou ao mesmo valor e, mais ou menos ao mesmo tempo, o chinês TsuCh'ungChih obteve o valor ainda mais preciso 3,1415926. Hoje conhecemos mais de 22 trilhões de dígitos de π.

    Um episódio extraordinário ocorreu nos Estados Unidos em 1894, quando um amador apresentou à Assembleia Legislativa do estado de Indiana uma proposta de lei definindo o valor legal de π. Entre outras barbaridades, ficava determinado que π seria igual a 3,2! Incrivelmente, a proposta foi aprovada por unanimidade na Câmara estadual dos deputados! Só não chegou a ser lei estadual porque o professor C. A. Waldo, da Universidade de Purdue, atuou junto ao Senado estadual para impedir o vexame. Ainda incertos sobre o mérito da questão, os senadores concluíram que o Legislativo não tem poderes para mudar constantes matemáticas, e adiaram a votação por tempo indeterminado...

    Por volta de 2010, porém, circulou na internet a notícia de que o partido Republicano do estado do Alabama tinha apresentado um projeto de lei estabelecendo que π=3, "para simplificar a matemática e melhorar o desempenho das crianças americanas". Mas essa era trote, ninguém seria tão bobo. Certo?

    marcelo viana

    Matemático e diretor-geral do Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France. Aqui, mostra como a matemática pode transformar vidas e ser divertida. Escreve às sextas-feiras.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024