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    Marcelo Viana

    Com 5ª maior delegação em congresso matemático, Brasil ganha destaque

    23/06/2017 02h00

    Reprodução/International Congress of Mathematicians
    O matemático Artur Avila recebe a Medalha Fields, considerada o "Nobel da matemática"
    O matemático Artur Avila, em 2014, recebe a Medalha Fields, considerada o "Nobel da matemática"

    Na abertura do primeiro Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, sigla em inglês), em 9 de agosto de 1897, o holandês Adolf Hurwitz afirmou: "Poder expressar-se e se comunicar com os seus colegas é vital para todo matemático. E cada um de nós sabe por experiência pessoal como o relacionamento científico direto pode ser estimulante." Hoje, estas afirmações são mais válidas do que nunca.

    Não foi sempre assim. Até o século 19, havia muito poucos matemáticos –poucos cientistas em geral– e eles trabalhavam isoladamente e, muitas vezes, em segredo. Isaac Newton descobriu o cálculo matemático em 1671, mas reservou essa poderosa ferramenta para si mesmo, sem ter de enfrentar a concorrência. Assim, esse trabalho (Methodus fluxionum et serierum infinitarum) só foi publicado em 1736, após a sua morte.

    Mas o mundo mudou. A Revolução Francesa de 1789 pôs em marcha uma profunda reestruturação social, na Europa e além, com a emergência de uma classe média cada vez mais interessada na aquisição e utilização do conhecimento. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial britânica ampliou enormemente o papel da ciência e da tecnologia como motores do desenvolvimento.

    Junto, veio uma importante mudança do papel das universidades: de meras instituições de ensino a centros de produção e transmissão de conhecimento. Professores universitários tornaram-se também pesquisadores, aumentando em muito o número de cientistas. Sociedades matemáticas nacionais proliferaram nos países mais desenvolvidos: Rússia em 1864, Reino Unido em 1865, França em 1872, Itália em 1884, Estados Unidos em 1888 e Alemanha em 1890.

    O longo período de paz na Europa que se seguiu às guerras napoleônicas, e os avanços tecnológicos nos transportes (linhas férreas, indústria naval) e nas comunicações (telégrafo, telefone, rádio), também contribuíram para aproximar pessoas e povos. Assim, ao final do século 19 surgiam apelos à cooperação internacional entre matemáticos.

    Pretendiam contrariar a degradação da conjuntura política mundial: o "concerto das nações" imposto pelo Congresso de Viena de 1814-15 colapsava, e o mundo caminhava para a grande catástrofe da 1ª Guerra Mundial. Essa tentativa não estava restrita à ciência: não é coincidência que a primeira edição dos Jogos Olímpicos –maior evento esportivo internacional– tenha ocorrido em 1896, um ano antes do primeiro ICM.

    Também havia motivações específicas. À medida que a matemática crescia, era cada vez mais difícil para um único indivíduo abarcar todo o seu escopo, como haviam feito Leonhard Euler ou Carl Friedrich Gauss. O grande matemático alemão Felix Klein disse em 1893: "Uma diferença óbvia entre o passado e o presente é que aquilo que antes era o resultado de uma única mente genial devemos agora buscar por meio de esforços conjuntos e cooperação."

    Por volta de 1890, Georg Cantor, primeiro presidente da Sociedade Matemática Alemã, estava propondo a criação de um encontro científico que servisse como fórum para os matemáticos de todo o mundo apresentarem e discutirem os seus trabalhos. Uma conferência organizada pela Universidade de Chicago em 1893, com a presença de americanos e europeus, permitiu avançar essa ideia. Felix Klein concluiu o seu discurso na conferência com a adaptação de um slogan famoso: "Matemáticos de todo o mundo, uni-vos!" –parodiando Karl Marx e Friedrich Engels.

    A cidade suíça de Zurique sediou o primeiro Congresso Internacional de Matemáticos, de 9 a 11 de agosto de 1897, com 208 matemáticos, de 15 países europeus mais os Estados Unidos. Quatro eram mulheres, mas esse fato foi completamente ignorado: os anúncios oficiais, em alemão e francês, eram dirigidos apenas a "Mein Herr, Cher Monsieur", formas de tratamento masculinas.

    O segundo ICM teve lugar em Paris em 1900. A partir daí prevaleceu o intervalo de quatro anos, com interrupções apenas durante as duas guerras mundiais. Até hoje houve 27 edições do Congresso: três na América do Norte, quatro na Ásia e 20 na Europa. Passados 120 anos, o ICM continua vigoroso e desempenhando papel central na evolução da pesquisa em matemática no mundo.

    Como em tudo relacionado à ciência, o Brasil começou tarde. Aderimos à União Matemática Internacional em 1954 e os primeiros brasileiros palestrantes no ICM foram Leopoldo Nachbin, em 1962, e Mauricio Peixoto, em 1974 –ambos do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que hoje dirijo. A Sociedade Brasileira de Matemática foi fundada em 1969. Esse atraso foi amplamente compensado pelo desenvolvimento notável da nossa matemática em décadas recentes, que alçou o Brasil a posição de destaque no cenário internacional.

    Um reflexo disso é a conquista do direito de organizarmos o próximo Congresso Internacional de Matemáticos, em 1 a 9 de agosto de 2018, no Rio de Janeiro. A ocasião é histórica, porque este será o primeiro ICM no Hemisfério Sul. E o Brasil acaba de ganhar mais uma razão para orgulhar-se de sua matemática. Foi publicada a lista oficial dos cerca de 200 matemáticos que terão a honra de proferir uma palestra no ICM 2018, e o Brasil terá a quinta maior delegação científica, só atrás de Estados Unidos, França, Reino Unido e Alemanha. Serão 13 palestrantes brasileiros, de sete instituições (Impa, UFRJ, USP, PUC-Rio, UFSC, UFF e LNCC), incluindo quatro mulheres.

    Não se trata de mero agrado aos donos da casa: na Coreia, em 2014, apenas quatro coreanos foram convidados. Deve, sim, ser visto como reconhecimento internacional do valor da matemática praticada no Brasil, e da eficácia dos argumentos usados pela Sociedade Brasileira de Matemática para promover nossos pesquisadores junto do Comitê Científico do Congresso.

    Estas conquistas da matemática brasileira se devem à combinação de liderança científica lúcida com políticas públicas consistentes de apoio à criação e consolidação de grupos e instituições de pesquisa. Resta alertar que a gravíssima crise atual no financiamento da ciência põe em risco os êxitos alcançados: o que demorou 60 anos para se construir pode ser destruído em menos de seis.

    marcelo viana

    Matemático e diretor-geral do Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France. Aqui, mostra como a matemática pode transformar vidas e ser divertida. Escreve às sextas-feiras.

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