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    Marcia Dessen

    Números em letras

    23/05/2016 02h00

    Poucos brasileiros conhecem os princípios básicos da matemática financeira. O conceito de juros, por exemplo. Poucos são capazes de compreender o estrago que pode provocar nas finanças pessoais.

    Por ignorar o conceito de juros compostos, muitos embarcam na canoa furada de pagar com o cartão de crédito, com planos de parcelar a fatura. Essa mania de parcelar as compras e pensar só no valor da prestação, achando que dá conta de pagar, é muito perigosa.

    A taxa de juros simples incide somente sobre o saldo devedor inicial, sendo muito menos onerosa para o devedor. O juro composto incide sobre o saldo acrescido dos juros devidos. Assim, o devedor paga juros sobre juros. A conta fica mais alta e leva muito mais tempo para pagar.

    Vamos exemplificar com uma compra de R$ 100 que será financiada no cartão, com pagamento mensal de R$ 15. A simulação considera taxa de juros de 16% ao mês e ignora outros encargos.

    MÊS UM

    Você recebe a fatura do cartão com a compra de R$ 100 e decide parcelar, pagar o valor mínimo de R$ 15. Sua rápida contabilidade mental indica que agora você deve R$ 85 e logo dará conta de liquidar a fatura. Mas você se esqueceu de considerar os juros. Sobre os R$ 85 incidem juros de 16% ao mês e o saldo devedor do mês seguinte será de R$ 98,60.

    É isso mesmo. A parcela mínima paga corresponde aproximadamente ao valor dos juros. Ou seja, você não amortizou quase nada da dívida. Já pagou R$ 15 e está devendo praticamente a mesma coisa. Você ainda não sabe, mas aqui começa a rolar uma bola de neve que vai se estender pelos próximos 17 meses.

    MÊS DOIS

    No mês seguinte você recebe a fatura com o saldo devedor de R$ 98,60. Paga novamente a prestação de R$ 15,00. Seu saldo devedor depois de pagar a prestação é de R$ 83,60. Mas aí vem o famigerado juro de 16% e corrige novamente o saldo devedor, que passa a R$ 96,98. Você deve estar pensando que algo está errado. Já pagou R$ 30 e o saldo devedor continua praticamente o mesmo?! Desse jeito vai demorar para se livrar dessa dívida...

    MÊS 17

    Mantido o ritmo de pagamento de R$ 15,00 por mês, a dívida será liquidada em 17 meses, depois de pagar R$ 254,70, duas vezes e meia o saldo devedor inicial. Só de juros foram pagos R$ 154,70. E, para chegar a esse valor, o exemplo considera que não houve outra compra no cartão e que todas as parcelas de R$ 15 foram pagas pontualmente na data de vencimento, não sendo devido juro adicional por atraso de pagamento.

    REALIDADE

    "Mas era só uma comprinha inocente de R$ 100... como foi que me meti nessa enrascada?", você deve estar pensando. O estrago provocado por uma compra de R$ 1.000 é proporcionalmente o mesmo. Com parcelas de R$ 150, ao final de 17 meses você terá pago R$ 2.550, duas vezes e meia o valor financiado.

    Pense em quanta coisa você poderia ter comprado com esse dinheiro. Mas, em vez de ficar com ele, você preferiu enriquecer a administradora do cartão, que está rindo à toa, admirada com a riqueza transferida por tantos consumidores, como você.

    O exemplo numérico reflete fielmente a vida como ela é. Aliás, podia ser pior. De acordo com o site do Banco Central do Brasil, a instituição financeira que pratica atualmente a taxa de juros mais alta para essa modalidade de crédito cobra 22% ao mês! Difícil de acreditar.

    Se você não gosta de números e nem calculadora tem, acesse o site do Banco Central e localize a "Calculadora do Cidadão". É fácil de usar, faça uma simulação antes de comprar pensando em financiar a fatura.

    O site informa também quanto custaria o mesmo financiamento com juros menores, cobrados em outras modalidades de crédito. O mesmo exemplo, financiado com taxa de 7% ao mês em empréstimo pessoal, seria quitado em 8,5 parcelas com montante de R$ 127,15. Que diferença! Mas nesse caso é preciso paciência. Paciência e planejamento antes de comprar. Será que você consegue? Garanto que vale a pena tentar.

    marcia dessen

    É planejadora financeira pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu Dinheiro'. Escreve às segundas.

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