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    Marcius Melhem

    A bola que me pegue

    01/10/2017 02h05

    Escrevo esta coluna no início da madrugada de quinta, numa cama de hotel em Belo Horizonte, logo após o Flamengo perder a Copa do Brasil para o Cruzeiro na disputa de pênaltis.

    Pelo local em que estou, numa cama de hotel, em vez de um bar, uma festa, sobre o teto de um carro girando a camisa sobre a cabeça, já se deduz que eu torço para o Flamengo.

    Os roteiros imprevisíveis que o esporte escreve são fascinantes. Veja o caso do goleiro Muralha, do Flamengo. Tão criticado por suas falhas, teve a chance de começar jogando e, após o zero a zero do tempo normal, usar a disputa de pênaltis para passar de vilão a herói, conquistar sua redenção e cumprir uma linda jornada.

    Só que não.

    O esporte se esmera tanto em seus roteiros, que chega a esse requinte de quebrar a quebra da expectativa, dando um duplo twist carpado, uma guinada de 360 graus e voltar ao mesmo lugar. Ou resumindo: de onde menos se espera é que não sai coisa nenhuma mesmo.

    Muralha não pegou nenhum pênalti e o Cruzeiro levou por 5x3, já que Fábio —goleiro adversário— pegou um dos quatro que o Flamengo bateu.

    Esporte é isso aí, ganhar ou perder. Faz parte.

    Mas há derrotas que nos fazem pensar. Muralha pulou para o mesmo lado nos cinco pênaltis. Não chegou perto de pegar nenhum. Confrontado com a inédita decisão de saltar só pro canto direito, disse que era "estratégia".

    Que subversão maravilhosa. Desde que inventaram o goleiro, sua função é ir ao encontro da bola e impedir o gol. Muralha inventou a tática do "a bola que me pegue".

    Repare que engenhoso. Ele escolhe um canto só e pensa: uma hora essa bola vem pro lado de cá. Essa inversão é tão genial, que parece loucura. Ou vice versa.

    Imagine se isso se espalha como estratégia em outras situações?

    Um país resolve atacar outro e lança bombas em apenas uma área do campo inimigo. Alguém avisa: "gente, o exército deles está do outro lado". Aí vem a resposta da tática Muralha: "sim, mas quando eles vierem pra cá, vão ver o que é bom...".

    Ganhar torcendo pro outro errar não me parece encher alguém de mérito. Mas na mágica do esporte até isso acaba bem visto.

    Quando dá certo.

    marcius melhem

    Escreveu até novembro de 2017

    Marcius Melhem é ator e humorista brasileiro. Ele é roteirista do 'Zorra' e do 'Tá no Ar' e autor de peças de teatro.

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