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    Marco Aurélio Canônico

    Por sorte, o crime ainda não se organizou

    05/01/2017 02h00

    RIO DE JANEIRO - Cada vez que acontece uma desgraça como o massacre dos presidiários no Amazonas, me vem à mente a entrevista de Hélio Luz, então chefe da Polícia Civil do Rio, no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular" (1999), uma obra-prima.

    "Eles tentaram criar o crime organizado na cadeia, mas não deu certo. Sorte nossa que não deu certo. (...) O que nós temos no morro é um varejão. [O chefe do tráfico] é gerente de varejão, ele não sabe nem operar. Como é que ele vai operar US$ 5 milhões? Ele é apenas o cara que fica com as barracas na praça. É primário. Aí fica esse caos, garotinhos com 15 anos dando tiro contra outro, uma estupidez permanente."

    Quase duas décadas depois, a radiografia de Luz continua válida. O tráfico vem se tornando mais bem estruturado, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), com seu simulacro de ordem empresarial, é o maior exemplo. Mas a compra e venda de drogas ainda funciona largamente com a desordem e improvisação típica dos sacoleiros e camelôs. O que aconteceu em Manaus não mostra organização dos criminosos: é apenas exemplo da desorganização do sistema prisional brasileiro.

    O Rio tem mais de 760 favelas, espalhadas por todas as regiões. Elas abrigam quase um quarto da população da cidade –cerca de dois milhões de pessoas. Em virtualmente cada uma delas há uma facção criminosa presente e, na maioria dos casos, comandando o local.

    "Há morros aqui que têm cem homens armados, com armamento sofisticado", diz Luz em outro trecho do filme. "O dia em que eles perceberem como é essa relação e resolverem descer organizados, eles tomam isso aqui."

    Os traficantes brasileiros ainda não conseguiram se organizar de modo a transformar o país no que foi a Colômbia nos anos 1990. Mas por quanto tempo mais contaremos com a sorte?

    marco aurélio canônico

    Jornalista foi correspondente em Londres, editor do 'Folhateen' e de Fotografia e diretor da sucursal Rio.
    Escreve às quintas.

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