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    Marcos Jank

    A multiplicidade da Ásia

    31/10/2015 02h00

    Esse é o título do quinto capítulo do excelente livro "Ordem Mundial", que Henry Kissinger, uma das cabeças mais lúcidas e brilhantes do nosso tempo, publicou em 2014, aos 91 anos de idade.

    Ao contrário dos continentes europeu e americano, onde os grandes impérios convergiram para uma certa similaridade étnica, linguística, social, cultural e religiosa, o termo que melhor sintetiza a Ásia é "multiplicidade".

    Para começar, Ásia é apenas um conceito geográfico que reúne cerca de 50 Estados soberanos situados a leste do planeta, na chamada porção oriental. Só que esses Estados abrigam civilizações milenares que, ao contrário do Ocidente, seguiram rumos históricos e geopolíticos bastante distintos.

    Países muito ricos posicionam-se ao lado de outros extremamente pobres, variando de nações continentais a arquipélagos e cidades-nação. Ditaduras convivem com democracias. Pelo menos quatro grandes religiões dividem o espaço asiático: budismo, hinduísmo, islamismo e cristianismo.

    Nos últimos quatro séculos, europeus e americanos ocuparam o Oriente redesenhando fronteiras e forçando a sua "missão civilizatória" sobre culturas muito mais antigas e solidificadas que a sua.

    A emancipação da região ao longo do século 20 não foi nada tranquila, após uma dezena de guerras que desembocaram nos países de hoje —a guerra civil chinesa, as guerras da Coreia e do Vietnã, as guerrilhas do Sudeste Asiático, as disputas entre Índia e Paquistão e o genocídio de Khmer Vermelho, no Camboja. Espaços e fronteiras continuam sendo disputados, a exemplo dos conflitos nos mares do Nordeste e do Sul da China.

    O trauma das épocas colonial e pós-colonial obrigou os países asiáticos a aceitar as suas respectivas soberanias e a se comprometer com a não interferência nos assuntos domésticos. Isso obviamente sem deixar de buscar o interesse nacional, sempre com muita energia e convicção.

    Hoje essas culturas retomam o seu poder e a vitalidade do passado, após terem assimilado os melhores valores do Ocidente. No esplêndido livro "Civilização: Ocidente x Oriente", o historiador inglês Niall Ferguson descreve as seis instituições propulsoras do poder que o Oriente aprendeu com o Ocidente e que explicam a sua rápida reemergência: o método científico, os direitos de propriedade, a medicina moderna, a sociedade de consumo, a ética protestante do trabalho e a competição capitalista, mesmo dentro de países teoricamente comunistas.

    Kissinger afirma que na Ásia a diplomacia se faz de forma lenta e gradual, respeitando a soberania e a diversidade. A Ásia nunca embarcou nas posições tutelares e universalistas que marcaram a diplomacia da Europa e dos Estados Unidos. Porém, apesar do respeito à soberania e à diversidade, o sistema organizacional asiático não foi pautado pela busca da igualdade, mas sim por mecanismos de hierarquia e controle claramente colocados.

    No Brasil, sabemos muito pouco e certamente temos muito a aprender com a experiência asiática, em termos de sociedade, organização e pensamento. Um pouco mais de observação, com menos fala e mais ouvidos, nos fariam bem neste momento.

    marcos sawaya jank

    Especialista em questões globais do agronegócio. Vive em Cingapura.
    Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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