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    Marcos Jank

    A 'mão do gato' ameaça as exportações brasileiras

    25/11/2017 02h00

    Andrew Harnik - 8.nov.17/Associated Press
    President Donald Trump, center, shakes hands with an opera performer, accompanied by Chinese President Xi Jinping, as they tour opera performance at the Forbidden City, Wednesday, Nov. 8, 2017, in Beijing, China. Trump is on a five country trip through Asia traveling to Japan, South Korea, China, Vietnam and the Philippines. (AP Photo/Andrew Harnik) ORG XMIT: TKSK355
    O presidente dos EUA, Donald Trump, em visita à Cidade Proibida, em Pequim, durante giro pela Ásia

    Não me lembro de um período com tantas turbulências e incertezas no mundo como o atual.

    As questões geopolíticas voltaram à ordem do dia: grandes levas de refugiados, novas formas de terrorismo, conflitos no Oriente Médio, disputas no entorno da China e o jeito Trump de governar.

    O multilateralismo consensual do pós-guerra dá lugar às ameaças via Twitter e porrete. E, como era de esperar, já começa a afetar as correntes de comércio e investimentos no mundo.

    No início do mês, Trump passou pela Ásia para discutir a questão da Coreia do Norte e reequilibrar o deficit comercial dos EUA com países-chave da região, incluindo, se necessário, a venda de armas americanas. Os EUA importam quase US$ 1 trilhão da Ásia, acumulando um deficit comercial de US$ 533 bilhões com o continente.

    O deficit americano varia de US$ 13 bilhões a US$ 33 bilhões com países como Indonésia, Taiwan, Tailândia, Índia, Malásia, Coreia do Sul e Vietnã. Chega a US$ 70 bilhões com o Japão e a incríveis US$ 347 bilhões com a China. Trump está obcecado com isso e ameaça: abram-se para os EUA ou haverá retaliações.

    Na mesma linha, multiplicam-se os contenciosos comerciais. Novas regulações desenhadas "ad hoc" e contenciosos de impacto começam a atingir as exportações brasileiras nos setores em que somos mais competitivos.

    No agronegócio, estamos enfrentando conflitos no acesso do açúcar e da carne de frango na China, etanol para o Japão e questões complexas com Indonésia, Rússia, Hong Kong, União Europeia e EUA.

    Vale destacar também o impacto do forte protecionismo à indústria doméstica, incluindo o próprio agronegócio. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo ao comércio. Aço, trigo, café, bananas, camarão e pescados são exemplos de produtos nos quais a proteção contra pequenas importações já prejudica grandes volumes de exportações potenciais.

    Falamos das nossas grandezas, queremos acessar o mundo, mas na hora de negociar não oferecemos quase nada em troca para os nossos parceiros. Perderemos cada vez mais oportunidades de exportação em razão disso.

    Isso sem contar a crise de imagem que vivemos, gerada pela percepção de um país tomado pela corrupção, pela violência e pela instabilidade política, incapaz de se explicar de forma simples e didática. O mundo tem dificuldade de entender o que está acontecendo no Brasil.

    Nesse contexto, noto que a "mão do gato" contra as nossas exportações se faz cada vez mais presente, dentro do próprio país ou escondida atrás da porta, na concorrência nos países-destino.

    Já se foi o tempo em que exportávamos simplesmente porque havia demanda e éramos competitivos. Num mundo dominado pelo mercantilismo do "toma lá dá cá", com interesses geopolíticos exacerbados e arbitrariedades regulatórias se multiplicando, é fundamental manter um olho no peixe e o outro no gato.

    A complexidade do mundo exige uma melhor definição do interesse público do país, tomando decisões com base no impacto socioeconômico das medidas, e não em favor de quem grita mais alto.

    Exige estratégias bem montadas para lidar com a crescente agressividade geopolítica e comercial do mundo. Exige maior coordenação dentro do governo e entre este e o setor privado, para não perder mercados e oportunidades.

    Precisamos também estar mais presentes no cenário internacional, muito além da representação oficial do governo, construindo relacionamentos estáveis e duradouros com nossos parceiros comerciais, que aumentem a confiança entre as partes.

    Estratégia, representação e organização são a única receita de sucesso ante a imensa complexidade do mundo atual.

    marcos sawaya jank

    Especialista em questões globais do agronegócio. Vive em Cingapura.
    Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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