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    Marcos Lisboa

    Exemplo

    02/04/2017 02h00

    O debate sobre economia no Brasil seria mais produtivo se adotasse o rigor da pesquisa acadêmica, que, desde 1950, passou a utilizar modelos teóricos com a precisão da matemática na formulação dos argumentos.

    Essa abordagem impõe uma disciplina: as conclusões devem decorrer logicamente das hipóteses. O debate ocorre sobre a demonstração dos resultados e as hipóteses utilizadas. Além disso, passou-se a testar em que medida as conclusões precisas são consistentes com os dados disponíveis.

    Um exemplo talvez ajude.

    No fim da década de 1940, John Von Neumann e Oskar Morgerstern analisaram como um indivíduo faz a sua escolha quando há incerteza sobre as condições que irão prevalecer no futuro. Eles supõem que essa incerteza possa ser descrita por probabilidades, como num jogo de dados. Seu resultado permitiu expandir a pesquisa da economia na presença de incerteza.

    Paul Samuelson e Leonard Savage debateram as condições necessárias para que o resultado proposto por Von Neumann e Morgerstern fosse verdadeiro. Samuelson apontou que o resultado necessitava de uma hipótese adicional que considerava demasiadamente restritiva.

    Savage discordou, mas estava errado. Em meio à troca de cartas, porém, ele descobriu uma versão alternativa da hipótese que garantia o mesmo resultado em circunstâncias mais gerais e rebateu as críticas de Samuelson. O seu teorema vale mesmo quando a incerteza não é descrita por probabilidades.

    Samuelson concluiu o debate com um exemplo da melhor atitude acadêmica em carta a Milton Friedman, como relata Ivan Moscati no "Journal of Economic Literature":

    "Deixe-me fazer uma importante rendição... As cartas pacientes de Savage... me convenceram de que ele está certo... Eu chamei a hipótese de gratuita, arbitrária etc.... (Você sabe como posso criticar quando me animo). Mas, agora, devo comer as minhas palavras... Detesto mudar de opinião, mas detesto ainda mais manter uma visão equivocada e, por isso, não tenho escolha".

    Na década seguinte, a pesquisa aplicada mostrou que, em alguns casos, as escolhas individuais não seguem o previsto pelo modelo de Savage, sugerindo novas abordagens.

    Essa abordagem ainda está distante de parte da economia por aqui, que muitas vezes atrapalha mais do que ajuda. O debate sobre a Previdência ou a taxa de juros ilustra a retórica mais preocupada em desqualificar a divergência do que em analisar a evidência disponível.

    As narrativas imprecisas, frequentemente inconsistentes, e a ausência de testes empíricos rigorosos sobre as conjecturas resultam em muito barulho, pouco resultado e prejudicam o enfrentamento dos problemas.

    marcos lisboa

    Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.

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