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    Marcos Lisboa

    Esta coluna deveria ser desnecessária

    16/04/2017 02h00

    Gustavo Roth - 3.jun.2004/Folhapress
    Fila em posto do INSS na zona leste de São Paulo (SP)
    Fila em posto do INSS na zona leste de São Paulo (SP)

    Melhor saber da doença, por mais graves que sejam as suas implicações. Pode ser traumático, mas, ao menos, permite avaliar como prevenir as práticas que resultaram nos problemas.

    O escândalo que dominou a semana mostra que as relações informais entre setor público e privado deveriam ser profundamente revistas.

    As denúncias revelam a combinação de interesses indevidos com a crença de que o desenvolvimento econômico passa pela concessão de privilégios para empresas selecionadas.

    A possibilidade de adoção de medidas discricionárias, que favorecem uns em detrimento dos demais, facilitou o desvio e incentivou os favores para garantir a proximidade com os gestores públicos ou com os legisladores.

    Essa proximidade permitiu a concessão de benefícios mútuos: de um lado, a adoção de medidas administrativas e a aprovação de leis; de outro, a transferência de recursos para partidos ou indivíduos.

    A relação entre setor público e privado deveria seguir regras de impessoalidade e de transparência, para bem da sociedade. Medidas horizontais, que afetam a todos da mesma forma, evitam a possibilidade do ganho privado em decorrência do acesso privilegiado ou a troca de favores.

    A boa prática recomenda transparência das eventuais discussões de servidores públicos com o setor privado, com atas precisas sobre o que foi discutido. Qualquer medida de exceção deveria ser acompanhada de avaliação independente sobre os custos envolvidos e os benefícios esperados, com metas claras de resultado.

    A Austrália, por exemplo, tem uma agência independente, a Comissão de Produtividade, cuja missão é avaliar a eficiência e a neutralidade das políticas públicas.

    A disseminação de medidas discricionárias teve impactos para além da crise moral e da corrupção.

    Surpreende o volume de investimentos fracassados no setor de óleo e gás, na indústria naval e nas obras de infraestrutura, além das diversas empresas beneficiadas por crédito subsidiado ou pelas regras de conteúdo nacional que hoje enfrentam graves dificuldades, algumas com risco de insolvência.

    O desperdício de recursos da sociedade, muito maior do que os valores reportados de corrupção, se revela nas obras inacabadas, nas fábricas incentivadas com capacidade ociosa e nos bens mais caros do que o necessário, mas que a legislação obriga comprar de empresas protegidas e ineficientes.

    A política poderia, ao menos, deliberar, desta vez com transparência, sobre novas regras para mediar a relação entre setor público e privado e as medidas para superar a crise econômica e retomar o crescimento.

    Esta coluna deveria ser desnecessária. Os tempos difíceis mostram que não.

    marcos lisboa

    Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.

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