• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 07:17:05 -03
    Marcos Lisboa

    De boas intenções o inferno está cheio

    23/04/2017 02h00

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Sao Paulo, SP, BRASIL, 04-04-2017: ***Esp Revita Sao Paulo***Especial Largo do Arouche. Vista do Largo do Arouche no centro de Sao Paulo que sera revitalizado em projeto da Prefeitura com parceiros internacionais (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, Revista Sao Paulo).
    Vista do centro de São Paulo

    Diversas decisões judiciais recentes comprometem o acesso ao crédito. O resultado pode ser o retorno aos anos 1990, quando os empréstimos eram bem mais escassos, e as taxas de juros, ainda maiores do que na última década.

    Um exemplo é o financiamento de novos imóveis.

    O termo distrato tem sido utilizado para qualificar a desistência de compra de um imóvel ainda em construção. A denominação, porém, é inadequada. Distrato se refere à revisão consensual de um acordo, e não é isso o que ocorre.

    Antes de o prédio estar concluído, alguns se arrependem da compra e pedem para receber todo o dinheiro já pago. Algo como encomendar um terno, pagar a primeira parcela e, pouco antes de recebê-lo, desistir da compra e pedir o dinheiro de volta, para prejuízo do alfaiate.

    O Judiciário tem concedido ganho de causa aos compradores e ordenado o seu pagamento imediato.

    Os recursos, no entanto, em grande medida, já foram gastos na obra, e muitas construtoras têm que vender os apartamentos rapidamente para arcar com as obrigações, algumas perdendo a maior parte do seu patrimônio líquido.

    Além disso, muitos prédios foram financiados com taxas de juros mais baixas, porque a venda prévia de muitos apartamentos reduzia o risco de inadimplência.

    A disseminação do distrato significa que essa expectativa estava errada.

    Algo similar ocorre nos empréstimos para empresas que oferecem seus equipamentos como garantia, que poderiam ser retomados e vendidos em caso de inadimplência, reduzindo o risco de crédito e a taxa de juros.
    Decisões judiciais, porém, têm impedido a retomada dos equipamentos, pois seriam essenciais para a produção.

    A suspensão do pagamento das dívidas e da execução das garantias também foi concedida a alguns governos estaduais.

    Essas decisões resultam em maiores perdas esperadas nas operações de crédito. O seu desdobramento é a redução dos novos empréstimos, onerados por maiores custos, o que termina por prejudicar as famílias que desejam comprar seus imóveis na planta, assim como as empresas e os Estados que desejam financiar seus investimentos.

    Os clientes pagam muito pelos seus empréstimos e, apesar disso, alguns bancos deixaram o Brasil nos últimos anos, enquanto os que ficaram optam, cada vez mais, por oferecer outros produtos como seguros, previdência e gestão de ativos. As novas regras pioram o mercado de crédito para todos os participantes, bancos e clientes.

    Mefistófeles se apresenta a Fausto, no poema trágico de Goethe, como parte daquele poder que quer fazer o mal, mas termina por fazer o bem. No país de ponta-cabeça, alguns querem fazer o bem, mas terminam por fazer o mal.

    marcos lisboa

    Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024