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    Marcos Augusto Gonçalves

    Régua e compasso

    11/02/2013 03h00

    Foi primeiro em São Paulo que a bossa nova de João Gilberto fez sucesso, com o estouro de "Chega de Saudade". Foi em São Paulo que o tropicalismo se lançou, com os festivais da Record e o encontro de Caetano Veloso e Gilberto Gil com a Jovem Guarda, os Mutantes, os concretos e o maestro Rogério Duprat. Foi cantando "São São Paulo, Meu Amor" que Tom Zé conquistou a Pauliceia, da qual se tornou cidadão querido. E foi para São Paulo que Caetano deu outro nome numa canção que virou hino.

    A experiência desses baianos, com suas maquinações maravilhosas, revela a fértil relação entre os dois polos dessemelhantes da cultura brasileira. São Paulo e Bahia.

    Há, certamente, uma outra face nessa relação, marcada pelo preconceito social. Basta lembrar que "baiano" em paulistês, como "paraíba" no Rio, é um genérico depreciativo que designa imigrantes nordestinos em busca de uma vida menos sofrida.

    E não esqueçamos da ideia impressa no brasão da capital paulista, que traz o lema non ducor duco --"não sou conduzido, conduzo". Natural que se veja na insígnia o rosto da "arrogância" paulista.

    O novo secretário de Cultura do município, Juca Ferreira, se não me falha a memória, usou essa expressão nos debates que, quando ministro, travou com políticos e empresários de São Paulo contrários às mudança por ele propostas para a Lei Rouanet.

    Esperemos que sejam antes as feridas desses embates políticos --e não uma reação à la Berlusconi contra um "terrone" na prefeitura-- a causa principal da resistência de alguns à "importação" de Ferreira, tema de uma polêmica coluna de Gilberto Dimenstein. O próprio PT, diga-se, também mostrou certo desconforto com a nomeação.

    Pressões fazem parte da política e Ferreira vai senti-las de diferentes direções.

    Em suas primeiras manifestações públicas, o secretário esforçou-se para ser diplomático e agradar a todos --correndo o risco de apresentar não uma linha de atuação, mas uma colcha de retalhos.

    Na Folha, respondeu às restrições à sua "importação" surfando na conhecida percepção litorânea de que São Paulo é "outro país", menos brasileiro do que desejável ("acho que posso contribuir para o sentimento de que São Paulo faz parte do Brasil"). Mas não esqueceu de lembrar que numericamente "é a cidade mais negra e mais nordestina" do país. O problema, então, seria mudar a "autoimagem".

    Ferreira considerou "bendita" a herança de Carlos Augusto Calil e defendeu as organizações sociais, mas assegurou ao PT que não vai esquecer a periferia e os excluídos --"parte desta São Paulo do século 21" que é "proibida ou é criminalizada ou é invisível".

    O secretário ainda parece ter duas equações importantes e entrelaçadas por resolver, uma política e outra orçamentária.
    Não basta, então, anunciar a construção de dois "equipamentos" na periferia, como prega o programa petista, se os recursos da secretaria (menos de 1% do orçamento) mal dão para o custeio da máquina -e o aproveitamento cultural dos CEUs parece mais adequado.

    O próprio entendimento do que seja para o secretário a polaridade "periferia x centro" na São Paulo real está por se esclarecer. Uma interpretação esquemática --como, aliás, não é incomum-- poderia levar o secretário, por exemplo, a fomentar mais a divisão do que a integração.

    Juca Ferreira tem experiência, régua e compasso. Mas como diz outra canção, é mais prudente pisar nesse chão devagarinho.

    marcos.augusto@grupofolha.com.br

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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