• Colunistas

    Sunday, 28-Apr-2024 07:26:49 -03
    Marcos Augusto Gonçalves

    Rolezinho pelo Oscar

    21/01/2014 03h00

    Nos meus tempos de cinéfilo –e isso já vai longe – não dava a menor bola para o Oscar. Se "O Discreto Charme da Burguesia", "Roma", "Carrie", "Carmen" ou "Passageiro - Profissão Repórter" seriam indicados ou ganhariam a estatueta era o tipo de preocupação que não passava pela minha cabeça. Hollywood, a instituição, era careta. Os prêmios de Cannes e Veneza ainda pegavam bem.

    Sim, os tempos mudaram. A premiação do Oscar –que acho uma das coisas mais aborrecidas da face da terra– se transformou num megaespetáculo global. É uma espécie de "Champions League" do cinema, sob os auspícios de quem realmente entende e ganha dinheiro com o assunto: os americanos –ou, como se diz, "a indústria". Além disso, fico sempre constrangido com o jeito como a TV brasileira cobre a festa –aquele padrãozinho colonizado, com comentaristas e apresentadoras no estúdio enfiados em smokings e vestidinhos de gala.

    Mas não é só a TV. Todo mundo mais ou menos acabou se rendendo ao torneio. Críticos levam cada vez mais a sério a premiação e alguns parecem lamentar do fundo do coração que este ou aquele filme, em tese menos "comercial" ou menos "superficial", tenham sido esquecidos pela Academia...

    Bem, eu também fui dar meu rolezinho pelos cinemas, aqui em Nova York, para ver alguns dos concorrentes. Os mais indicados, pelo menos: "Trapaça", "12 Anos de Escravidão" e "Gravidade". Três bons filmes.

    "Gravidade" em 3D é uma experiência daquelas que só o cinema pode propiciar. Uma viagem. Pena que não decole da literalidade a alcançar a transcendência que o poderia levar para perto dos grandes do gênero –não apenas "2001"ou "Solaris", sempre citados, mas também "O Eleitos", que é muito bom.

    "12 Anos de Escravidão" será, com certeza, o favorito da opinião mais "consciente" ou politizada. É tipo um "Casa Grande & Senzala" americano, um mergulho avassalador no "pecado original" da América. Cumpre os protocolos do cinema "inteligente": tem nuances, contorna o maniqueísmo, a narrativa nem sempre segue linearmente, a câmera se detém em imagens abstratas e "poéticas"... Mas extrapola na pancadaria moral e física. A dada altura, quando ninguém aguenta mais tanto sofrimento, o herói é obrigado a açoitar uma escrava e a cena evolui de uma maneira que faz lembrar –ou pelo menos me fez lembrar– o insuportável "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson.

    O grande truque do filme é criar uma forte identificação inicial entre o personagem principal, um negro livre, e o espectador. Solomon Northup aparece nas primeiras cenas como chefe de uma família idealizada de classe média, um homem gentil, bem quisto, que toca violino e vive com mulher e crianças adoráveis. As cenas poderiam ser de um comercial de "cookies "tradicionais. Afora os trajes oitocentistas, Northup poderia ser você –se fosse negro– ou aquele vizinho gente fina, que vive feliz da vida no país das liberdades.

    De repente esse sujeito é arrancado de seu mundo fofo e harmonioso para ser aprisionado no círculo de horrores da escravidão. Essa passagem brusca da liberdade para o cativeiro preside uma sucessão de situações e cenas que têm por objetivo te apanhar pela emoção. É impossível escapar do rodízio de sentimentos violentos –raiva, impotência, revolta, humilhação– que o filme se empenha em provocar.

    Claro que cheguei às lágrimas e saí nocauteado do cinema. Aos poucos, porém, fui gostando menos do que vi. Tem filmes que, com o tempo, crescem na sua cabeça. "12 Anos de Escravidão", com todas suas virtudes, foi diminuindo na minha.

    Já "Trapaça" é uma alegria. Com um tanto de Scorsese e alguma coisa de Tarantino, trafega muito bem pelo gênero "nasci-para-ser-cult". É meio "overdesigned" no seu setentismo, mas delicioso.

    Christian Bale está impagável no papel de um farsante com barrigão de chope e penteado rocambólico para disfarçar a careca. As mulheres também são esplêndidas, tanto Amy Adams quanto Jennifer Lawrence. E a trilha é bem bacana, de "Jeep's Blues", de Duke Ellington, a "Horse With No Name", do America, passando por "Dirty Work", da dupla Steely Dan, e pela dançante "I Feel Love", na voz de Donna Summer.

    Ok, pode ser daqueles filmes que passam pela vida como um saco de pipoca. Mas vale cada milhozinho estourado.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024