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    Marcos Augusto Gonçalves

    Abaixo os Alinhamentos Automáticos!

    28/01/2014 03h00

    Alinhamentos Automáticos...

    Parece nome de uma daquelas personagens coletivas do livro "Pauliceia Desvairada", de Mário de Andrade –como as "Juvenilidades Auriverdes" ou os "Orientalismos Convencionais". E bem que serve, de fato, para designar um tipo em evidência: o polemista político implacável que grassa nas redes sociais e na imprensa.

    São muitos. De esquerda ou de direita, mais sofisticados ou mais vulgares, praticam o mesmo esporte: defender um dos "lados" em que se dividiria a esfera política –e atacar o outro.

    A vantagem, para os Alinhamentos Automáticos, é que não precisam pensar muito. As duas metades antagônicas reagem a uma mesma programação, que se baseia na lógica do "uma coisa automaticamente leva à outra".

    Se o luminar é por menos Estado, então é a favor de privatizações e contra todo aumento de impostos; defende a redução de despesas sociais e considera que a pobreza não tem nada a ver com a violência. Apoia o aprisionamento em massa e demonstra profundo ceticismo em relação a ações comunitárias. Paladino da democracia liberal, esgrime pelos direitos individuais, não gosta de muçulmanos e não votaria em Barack Obama, se Deus lhe tivesse concedido a graça de ser norte-americano.

    Ou, então, temos o avesso disso tudo: a "centralidade do social" e sua bula "progressista".

    No mapa político-partidário, os Alinhamentos Automáticos distribuem-se entre petistas inabaláveis e seus opositores ferrenhos –genericamente identificados como tucanos, neoliberais, reacionários e paulistas.

    Nesse território codificado, Fernando Henrique Cardoso será sempre uma besta ou um oráculo, a depender do ponto de vista. Lula, um espertalhão populista ou um presidente como nunca se viu na história deste país. Dilma, uma santa; Alckmin, um demônio. E por aí vai.

    É sobretudo na blogosfera que os Alinhamentos Automáticos pontificam, num espetáculo admirável de esquematismos previsíveis, agressões pueris, intransigência e teses pré-fabricadas sobre qualquer assunto. O alarido tem vazado para o debate político maior, cada vez mais sensível –parece– ao maniqueísmo destemido dos Alinhamentos Automáticos.

    Tudo funciona para que você não se meta a pensar com sua própria cabeça. Não interessa se aquele aumento de imposto possa fazer sentido ou se a privatização é a solução óbvia para um problema. A escolha já está feita. Siga a linha. E não tente explicar fenômeno diferente, como os "rolezinhos", por outra ótica que não a do confronto doutrinário entre as duas irmandades –sempre redondamente certas em suas perorações.

    Os Alinhamentos Automáticos querem fazer do "swinging voter" um pulha. E dos que eventualmente simpatizem com teses dos dois lados, um inseto desorientado, sem coragem de assumir uma posição clara.

    Não basta, para que se tenha um debate público inteligente, que essas facções possam pregar seus evangelhos e atirar suas granadas retóricas das respectivas trincheiras. Isso é básico.

    O que se desperdiça nessa coreografia robótica é a possibilidade de uma discussão política mais ambiciosa e larga, que reconheça as diferenças, mas não as trate a pauladas.

    Abaixo, pois, os Alinhamentos Automáticos!

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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