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    Marcos Augusto Gonçalves

    O som (e a estupidez) ao redor

    11/02/2014 03h00

    O que escrever de Nova York quando levanto a tela de meu notebook e me deparo com a notícia da morte do cinegrafista Santiago Andrade? A exposição sobre John Cage no MoMA –meu plano inicial– é boa e faz pensar, mas dela agora só consigo reter a ideia do silêncio, um dos temas prediletos deste influente artista e músico de vanguarda.

    Sim, um pouco de silêncio nos faria bem neste momento. Mas para Cage, na realidade, não se tratava de realçar uma atitude de reclusão ou mutismo. O silêncio era uma estratégia para realçar o som ao redor.

    E o som ao redor está insuportável. É o grito da violência que reverbera e se amplifica num Brasil em transe, incapaz de negociar seus conflitos no plano institucional ou simbólico. É o país do coronel que manda matar, do fazendeiro que manda matar, do traficante que manda matar, da milícia que mata, do ladrão que mata e da polícia que mata. É o país do "justiceiro" que acorrenta o neguinho num poste, do torcedor que invade o clube para dar porrada no jogador e dos seguranças do shopping que puxam o revólver diante de um moleque com cara de periferia.

    Agora é também o país do "manifestante" homicida.

    Essa espiral de truculência tem sua correspondência no plano do discurso e da disputa política. Brigadas esquerdistas e cavaleiros do conservadorismo vivem a trocar sopapos na mídia e na blogosfera, num espetáculo de intolerância que se radicaliza.

    Há um ano, em fevereiro de 2013, escrevi uma coluna sobre a "esquerda de direita", na qual comentava as ameaças que uma repórter da Folha sofreu de militantes do PT, à porta da festa de comemoração dos 10 anos da sigla no poder. Levou pontapés e foi chamada de "prostituta da imprensa".

    Eu mesmo –como muitos colegas– já tinha sido agraciado por "blogueiros progressistas" com palavras do tipo "canalha" e "verme", pelo simples fato de ser jornalista e trabalhar na Folha, ou melhor, no PIG.

    Tudo isso antes das manifestações de junho. Eis que quando elas eclodiram, animei-me com a descompressão. Silenciados pelo oficialismo da esquerda encastelada no poder, os protestos públicos tinham praticamente desaparecido do Brasil. Compareci a alguns deles e fui testemunha tanto do despreparo policial quanto da estupidez de grupos interessados em fomentar o confronto.

    Desde então, as manifestações encolheram em participação e cresceram em brutalidade. Não demorou para nosso monstro autoritário e cordial mostrar nas ruas mais uma de suas cabeças –a dos mascarados "black blocs".

    Outro dia li uma entrevista com um desses sujeitos. Ele dizia que quebrava patrimônio do Estado, de estabelecimentos comerciais ou da mídia porque não se sentia representado por essas instituições. Se não me representa, destruo. Quando a diferença torna-se irreconhecível e deve ser aniquilada fisicamente estamos, enfim, nos braços do fascismo.

    Difícil crer que a morte de Santiago Andrade servirá como uma pausa para reflexão em meio a esse alarido de agressões e ressentimentos. Gostaria que sim, mas não é o que meus ouvidos me dizem.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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