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    Marcos Augusto Gonçalves

    Hanksy

    18/02/2014 13h17

    Em abril de 2011, um cara no bairro de Bushwick, no Brooklyn, abriu o computador, baixou um grafite de um rato com um rolinho de tinta na mão e aplicou sobre a figura o rosto de um astro de Hollywood. O desenho do roedor era de Banksy, o grafiteiro superstar britânico que esconde sua identidade como o Daft Punk. E o ator era Tom Hanks.

    O cara imprimiu a imagem, colou num muro de rua em Little Italy e assinou: "Hanksy". A seguir fez fotos, enviou para um site bombado sobre arte de rua e postou no Instagram e no Twitter. Foi dormir... e a coisa virou viral. Milhões de compartilhamentos e comentários o transformaram num acontecimento virtual. A partir daquele momento, ele estava condenado a ser Hanksy.

    O próprio Tom Hanks gostou da brincadeira –ou pelo menos disse em seu tuíter que mesmo desconhecendo o autor curtia as intervenções. Numa entrevista para um site, em fevereiro de 2012, Hanksy declarou que tinha informações seguras de que o próprio Banksy aprovava as colagens e as acompanhava à distância.

    Na sexta-feira passada, o grafiteiro chegou às páginas do "New York Times". Nesses quase três anos que se passaram, desde o rato colado em Little Italy, ele fez três exposições individuais e vendeu tudo.

    Na primeira, foram 150 peças –todas com "mashup" de Hanks e Banksy– a preços entre US$ 50 e US$ 2000. Logo a cotação subiu, e os 30 trabalhos da segunda mostra já saíram por valores entre US$ 1 mil e US$ 4 mil cada. Mai recentemente as piadas gráficas de Hanksy incorporaram outros elementos, tipo gatinhos com o rosto do comediante Will Ferrell. E ele também está à frente de ações "underground", como uma recente ocupação "fora da lei", por grafiteiros, de apartamentos abandonados no East Village

    "É a vingança do nerd", disse um curador, que simpatiza com o humor e as ambiguidades das imagens.

    Hanksy, de fato, não estava brincando. Declarou-se surpreso com o estouro, mas lembrou que foi "criado para a Internet". E que aprendeu a usar as mídias sociais e conseguir cliques. "A América ama Tom Hanks e ama Banksy. Eu não quero mentir e dizer que não sabia o que estava fazendo ao colocar os dois na rua"...

    Sim, ele é mais um caçador –no caso bem sucedido– de cliques. Mas quem não é? Há milhões na blogosfera e redes sociais. A busca por atenção na internet tornou-se uma obsessão narcísica –e comercial– de nosso tempo.

    E isso também vale para o jornalismo –o que levanta questões. Não faz muito, um executivo do mesmo "The New York Times" falou num seminário sobre os desafios do jornal no mundo da aferição instantânea de audiência. Até que ponto essa contabilidade online vai moldar as hierarquias, as pautas, a edição e as estratégias para abordar os assuntos?

    Jornais, tradicionalmente, gostam de pensar que sabem mais do que os próprios leitores sobre o que eles (os leitores) gostariam de ler. Será que a internet vai desestabilizar essa convicção e impor a ditadura dos cliques?

    Não sei. De qualquer forma, cogitei de me inspirar em Hanksy e mudar de ramo. Que tal colar o rosto do Mussum em grafites dos Gêmeos e virar uma celebridade brasileira da "street art"? Poderia assinar "Os Gemis".

    Bem, já desisti da ideia. Algo me disse que isso, na realidade, poderia dar muito errado.

    Reprodução/Hanksy
    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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