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    Marcos Augusto Gonçalves

    Aula de Copa

    17/06/2014 03h00

    A Copa está show de bola e eu estou tomado pelo clima aqui nesta terra em que futebol é um esporte jogado com as mãos por homenzarrões de armadura. Todos os jogos estão sendo transmitidos e não é preciso andar muito para achar um bar com bandeirinhas e gente ligada na TV.

    Brasileiro que gosta de seu país, emociono-me a todo instante, vendo imagens de festa e confraternização no Rio, na Bahia, em São Paulo. Na ESPN americana, Copacabana aparece sempre, vista do Posto 6. Morei ali, onde passei alguns dos melhores anos de minha vida. Vejo a Princesinha do Mar e já sinto o cheiro da maresia, na colônia de pescadores pertinho do Marimbás. Saudosismo? Claro. Eu você, nós dois, já temos um passado, meu amor.

    É verdade que também tivemos protesto e polícia truculenta, mas isso não é jabuticaba. Qualquer evento global tem. Críticas a gastos mirabolantes, como os da Arena Fitzcarraldo, de Manaus? Claro que sim –mas por que brigar com fatos?

    O tom geral, apesar de tudo, é de simpatia, na mídia e nas ruas. Vizinhos e gente das redondezas sabem que somos brasileiros. Interessam-se, perguntam se estamos gostando, se vamos ganhar, se eles vão passar para o outro "round".

    Prevalece aqui em Nova York a imagem do Brasil como um país de gente "cool", com boa música, praias bonitas e humor. Clichê? Pode ser, mas é bom. Vi documentários na TV que tratavam com respeito nossa cultura e reportagens que abordavam de maneira honesta a vida em bairros pobres de nossas cidades, com direito a boa culinária popular, pelada no campinho e gente simples que toca o barco com dignidade.

    Eles também têm um pouco disso. São muito mais ricos, mas também pobres e desiguais. De certa forma são mais "brasileiros" no comportamento e no jeito do que muitos europeus de narizinho em pé, que jogam banana no gramado e se acham superiores. Apesar das diferenças, nossas histórias têm pontos em comum.

    Afinal, ele são do Novo Mundo e a cultura de origem afro é extraordinária e dispensa comentários. Elegeram e reelegeram um presidente negro, esclarecido, gay friendly, que quer conter o ímpeto bélico do país. Dois Estados já legalizaram a maconha e o uso medicinal é reconhecido. Tem Tea Party? Tem, mas quem não tem?

    Gosto que os nova-iorquinos não se comportem como suíços, à espera do sinal verde para atravessar a rua. Às vezes até dão aquela corridinha, como vemos no Brasil. Ou em geral nem isso, porque sabem que pedestre aqui, ao contrário do que acontece em nossas cidades, tem preferência.

    "Nova York não é Estados Unidos, dirá alguém, repetindo a velha sentença. Bobagem, na verdade Nova York é o melhor dos EUA. É a cidade de todos. Hispânicos, negros, asiáticos, judeus, árabes, croatas, russos, ucranianos, gregos e baianos. A Roma babélica do Império decadente. Mas ainda a Roma. E realmente não tenho nenhuma inveja daqueles que um dia viverão o século Chinês.

    Nesta segunda-feira torci pelos EUA contra Gana. Era difícil ser de outra maneira. Estou aqui, sou bem tratado, o Brasil está na área, Pelé faz anúncio na TV e tem comercial com música do Marcos Valle cantada em português. Os dias estão ensolarados e posso ouvir João Gilberto no restaurante belga da esquina enquanto tomo uma caipirinha.

    E além do mais, futebol é uma dessas atividades em que podemos gritar, sem susto, "Go, USA!", em vez de "Yankee, Go home!".

    Nesses dias constatei mais uma vez que o encontro do Brasil com o mundo é irreversível. Já sabíamos disso há muito tempo. É uma consequência inevitável de todos nós, de um país, de uma história, de um destino.
    O nacionalismo pode ser um grande mal, mas a existência de uma alma coletiva nacional pode ser também uma experiência enriquecedora. Não, obviamente, como afirmação chauvinista sobre o outro –o perverso desejo colonizador. Mas como um bem a se trocar, para reconhecer, estabelecer relações, humanizar.

    Não há dúvida de que temos muito a aprender com o mundo –até coisas elementares, mas preciosas, como limpar o lixo do estádio, conforme ensinaram os japoneses. Mas também temos algumas coisas para dizer e contribuir.

    Nesse momento em que cisões políticas se disseminam e o fantasma da intolerância nos ronda, espero que a Copa possa servir, de alguma forma, como uma lição de vida e convivência pacífica para todos nós, brasileiros e cidadãos do mundo. #vaibrasil! #copadascopas #énóiz!

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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