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    Marcos Augusto Gonçalves

    Por que o Brasil ganhou cinco Copas?

    15/07/2014 03h00

    Na sequência da sova que a seleção brasileira levou da Alemanha produziu-se uma massa de explicações e prescrições com vistas a identificar as causas de nosso "vexame" na Copa e evitar sua repetição em futuras jornadas.

    Dois vetores, de uma maneira geral, dominaram as teses que circularam na imprensa e nas redes sociais.

    O primeiro, que eu chamaria de "positivista", apontou o dedo para a falta de "ordem e progresso" em nosso futebol. Os que foram por essa linha atribuíram o desastre à péssima gestão e à falta de planejamento de nossas entidades esportivas, a começar pela CBF, liderada por personagens sinistros e superados, que escolheram um treinador anacrônico e incompetente.

    O segundo vetor, de certa forma mais sofisticado e elegante, foi encontrar no "sebastianismo" e na adesão ao "pensamento mágico" os traços culturais ou mentais que propiciaram a "débacle" —ou a "implosão", no bom termo utilizado por José Miguel Wisnik.

    De algum modo, a tese do sebastianismo (creio que José Geraldo Couto foi o primeiro a levantá-la) também levou água para o moinho "positivista": nos faltaria, afinal, o devido apego à razão e ao método; precisaríamos ser menos lusitanos e "mais alemães" —sentença, aliás, recorrente na história de nossa cultura.

    É difícil discordar de que falte ao futebol brasileiro mais organização, planejamento e método. E não há dúvida de que o sebastianismo e o pensamento mágico são características presentes em nossa mentalidade futebolística.

    Porém, embora me veja em acordo com essas hipóteses, não me abandona o sentimento de que alguma coisa aí gira em falso. Essa sensação torna-se mais enfática quando faço a mim mesmo —e a todos— uma outra indagação, em sentido inverso da que questiona o fiasco: por que, afinal, o Brasil ganhou cinco Copas e é ainda hoje o recordista isolado de títulos mundiais?

    Teríamos sido mais organizados, racionais e metódicos no passado? A CBF gerida por Ricardo Teixeira, que acrescentou duas estrelas a seu escudo, era melhor do que a atual? Deveríamos nos inspirar no exemplo anterior de João Havelange, o cartola-mor da época em que o Brasil ganhou três copas numa sequência de quatro disputadas? E o "pensamento mágico" e o sebastianismo só afloraram agora, em 2014?

    Não creio.

    Certamente contávamos em nossos cinco triunfos com jogadores melhores. Mas ainda assim, com a geração mais talentosa que se viu depois de 1970, perdemos em 1982 com Telê Santana —um treinador, a meu ver, ainda hoje sobrevalorizado pelo que fez na seleção. A derrota naquela Copa de 82 (e a confirmação em 1986) é tratada com enorme condescendência, mas seu corolário foi a ascensão do futebol de resultados, representado por Parreira.

    Não gostaria de fazer aqui um argumento para justificar a irracionalidade ou a administração temerária e danosa de nossos dirigentes. Mas diria que a Razão precisa ser um pouco mais humilde diante do futebol. Este, lembremos, não é uma guerra, mas um jogo, uma "arte", uma atividade que se mantém aberta ao imponderável e à magia. E assim, espero que permaneça. Senão, qual seria a graça?

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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