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    Marcos Augusto Gonçalves - Fabrício Lobel

    A guerra das ciclovias

    DE SÃO PAULO

    16/09/2014 03h00

    Os 450 km de ciclovias e ciclofaixas de Nova York foram implantados pelo prefeito Michael Bloomberg, conhecido magnata da elite branca local. Embora tenha sido democrata, foi eleito pela primeira vez, em 2001, pelo Partido Republicano. Depois, deixou a sigla e ganhou mais dois mandatos como político independente.

    Digo isso para lembrar que ciclovias e ciclofaixas não são uma pauta essencialmente de "esquerda", no sentido tradicional do termo. Trata-se, antes, de um tópico da agenda contemporânea de mobilidade e reforma urbana, que tem congregado, mundo afora, urbanistas, ambientalistas e gente de diferentes colorações políticas e classes sociais. Não por acaso, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, convidou Bloomberg, no início do ano, para ser seu assessor em assuntos ligados a cidades e mudança climática.

    Nesse sentido, a proposta estaria mais próxima, na realidade, do universo ideológico verde ou "marinático" –como também a gestão de recursos hídricos, outro problema que aflige os paulistas e tem dimensão nacional. Sinal dos tempos?

    Em São Paulo, as circunstâncias e o esquematismo político têm se encarregado de partidarizar o debate das ciclovias e enquadrá-lo no pugilato entre a "elite branca tucana" e as "forças populares petistas" –o que serve mais para acirrar ânimos do que para encaminhar o assunto de maneira pragmática e inteligente.

    Lembro que Bloomberg e a então chefe do Departamento de Transporte de Nova York, Janette Sadik-Khan, também enfrentram muitas resistências –num país em que o automóvel é totem. Usuários de carro, motoristas de táxi, associações de bairro, comerciantes etc reclamaram, apontaram falhas, rejeitaram e discutiram os traçados, numa discussão que esteve presente na campanha eleitoral para a prefeitura, em dezembro passado –na qual, aliás, o candidato republicano prometia rever algumas rotas consideradas por ele equivocadas.

    Bloomberg, diga-se, não se limitou a abrir espaço para bikes. Também baniu automóveis de alguns pontos da cidade e eliminou faixas de circulação e de estacionamento para inaugurar áreas de convivência, as chamadas "plazas" –com mesas, cadeiras, guarda-sóis e quiosques. As pesquisas já mostravam, no final de 2013, que a maioria aprovava as ciclovias e ciclofaixas –e mais ainda as "plazas.

    Morando em Nova York, não tenho acompanhado de perto o funcionamento das ciclovias em São Paulo –o que farei em breve, quando voltar à Pauliceia. É óbvio que não se trata de uma "solução" para o trânsito, mas é parte importante do sistema de mobilidade. Não é só para o pessoal transado achar que está na Europa. A bicicleta é um modal, seu uso está previsto em lei e tem, aliás, larga presença em áreas desassistidas da cidade. Em Nova York, as ciclovias também são muito usadas para serviços que em São Paulo são feitos de moto –como entregas de encomendas.

    O problema da partidarização do debate é que sedimenta adversidades e atrapalha o encaminhamento. Vejo nas redes sociais que qualquer reparo ao projeto da prefeitura é logo visto como uma agressão "reaça". Do outro lado, acusa-se a prefeitura até de escolher o vermelho para as novas vias por ser uma cor "comuna".

    Tenho observado pessoas que respeito levantarem problemas em relação a algumas rotas em implantação. Não são antipetistas, nem contra bicicletas. Vivem em São Paulo há anos, conhecem seus bairros, discutem, apontam problemas, querem que as coisas melhorem.

    É preciso conversar e negociar. Não se pode fazer uma mudança dessa ordem sem criar atrito e contrariar interesses. Mas não parece ser o caso de fomentar uma guerra que chame para a briga convicções ideológicas e preconceitos que poderiam ficar em segundo plano diante da questão real e concreta –a incorporação da bicicleta ao espaço urbano.

    Sou dos que apoiam o programa de Haddad. Defendo restrições ao uso do automóvel e o investimento em transporte coletivo. Antes de vir passar um ano por aqui já tinha vendido meu carro (um dos dois do casal) e optado por meios públicos –com direito a algumas pequenas corridas de táxi. Hesitava em usar bike por medo da selvageria reinante. Agora sinto-me encorajado.

    Mas penso que o principal problema da mobilidade em São Paulo continua a ser a falta de metrô, uma responsabilidade do Estado. E aqui cabe, sim, uma cobrança política ao PSDB: as seguidas gestões tucanas falharam nesse quesito. Gastaram muito e entregaram pouco –em meio a evidências de cartelização e desvios. Basta dizer que a malha subterrânea da capital ainda é bem menor do que a de Santiago do Chile, que tem metade da população.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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