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    Marcos Augusto Gonçalves - Marcos Augusto Machado Gonçalves

    O sistema caiu

    02/12/2014 03h00

    "Desculpe, o sistema caiu". "Um pouquinho de paciência que o sistema está lento". "Não podemos receber com cartão, porque a maquininha está fora do ar".

    A quantidade de vezes que ouvi frases como essas nos últimos dois meses me deixou inquieto -além de, obviamente, irritado. Depois de um período de um ano em Nova York, já havia não me lembrava das agruras do brasileiro comum com os problemas de conexão à internet e os percalços da telefonia celular. Ou talvez, habituado à nossa banalização cotidiana da precariedade, não me desse conta. Não vai aqui nenhum esnobismo ou menosprezo pelo Brasil, na linha dos ridículos que veem a solução para seus males numa passagem aérea para Miami.

    É forçoso reconhecer, porém, que na comparação com países onde a infraestrutura funciona, a situação é exasperante. Ao chegar aos Estados Unidos, comprei um Iphone na loja da Apple em não mais de 15 minutos, por praticamente metade do preço do que compraria aqui. A seguir, dirigi-me a uma das inúmeras lojinhas da companhia T-Mobile, onde adquiri um plano pré-pago. Custava-me US$ 87,00 (cerca de R$ 220) por mês e dava direito a quantas ligações eu desejasse fazer, sem limite de duração, para qualquer telefone americano e qualquer fixo brasileiro. Além disso, podia navegar muito bem pela internet 4G o tempo que fosse. Ninguém me pediu CPF, atestado de residência ou apresentou-me um formulário para preencher. Um cartão de crédito, um endereço de e-mail e pronto. Em poucos minutos saí falando e navegando.

    É verdade que em algumas linhas de metrô o sinal não aparece, mas, no mais, este era um não problema. Acostumei-me rapidamente (é fácil se adaptar às coisas que funcionam) e alguns meses depois, surpreendi-me quando uma amiga, recém-chegada do Brasil, comentou: "Nossa, é ótimo trabalhar daqui, resolvo minha vida rapidinho, na rua, no táxi, em casa... A internet bomba!". "Como assim bomba?" - perguntei. "Você está achando muito diferente do Brasil?" E ela: "Acho que você já se desacostumou...".

    Fato. De volta à terra, passei por maratonas de lentidão e burocracia para trocar de chip e fazer um plano. Em casa, sofri com as tentativas de fazer com que a NET me oferecesse um serviço parecido com o que tinha. A saída para isso -já me esquecia– é pagar mais. Quem pode acaba conseguindo um plano melhor -mesmo que não bombe propriamente.

    Na Vivo, enquanto esperava o sistema funcionar direito e a moça sentada à minha frente dar conta da burocracia (perdi, sem exagero quase duas horas na loja) li um anúncio na parede que dizia algo assim: "Agende sua visita quando quiser e sem fila". Pensei, ah, que legal. Não sabia que tinha essa possibilidade. Bacana. Aproximei-me do display e, então, li nas letras menores: "Benefício válido para clientes Platinum". Aahh... Reproduz-se a velha ordem: quem tem pode tudo, estacionar em fila dupla, entrar na ciclofaixa, evitar fila, pular a alfândega, agendar o atendimento... Quem não pode, se sacode.

    Enquanto isso, leio que Nova York planeja trocar seus mais de 6 mil telefones públicos por pontos de acesso gratuito à internet -com wifi. E a medida –que democratiza ainda mais o uso da rede mundial na cidade-será implementada sem custos para o poder público: vai ser financiada por publicidade. Coisa de capitalista, claro.

    Mas a telefonia no Brasil é uma concessão pública? E não temos um governo que, pelo menos no discurso, pretende reduzir as desigualdades? Por que então tanta ineficiência e tratamento diferenciado? Por que preços tão disparatados em relação aos de outros países? Não é uma flagrante desigualdade? O que fazem as agências reguladoras além de oferecer cargos para os amigos dos amigos? É uma vergonha.

    Lembro-me, contra meu argumento, que algum tempo atrás a Anatel andou multando operadoras e as proibindo de expandir suas linhas. Mas e os bastidores do caso? O motivo da fúria punitiva teria sido a irritação da presidente com as sucessivas quedas de linha ao tentar conversar pelo celular. Ficou enfezada e mandou tomar providências.

    Não é a cara de nosso fazendão?

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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