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    Marcos Augusto Gonçalves

    Política virou duelo do sujo contra o mal lavado

    09/12/2014 03h00

    Comentaristas políticos com inclinações à esquerda ou à direita sempre existiram e continuarão a existir, mas vemos hoje no Brasil uma certa adesão de parte dos analistas da mídia a vertentes partidárias –ou ao governismo e à oposição. Dado o esquematismo e a baixa qualidade argumentativa dos dois lados, temos como corolário um jornalismo de opinião política cada vez mais previsível e juvenil. Quando não simplesmente cômico.

    À direita, um enxame de lacerdinhas empenha-se em atribuir ao PT todos os males do mundo. Não fossem os petistas, o Brasil seria outra coisa, um país sem corrupção, sem aparelhamento do Estado, dirigido por gente decente (cof, cof!) como os dignos luminares cartelizados do PSDB.

    À esquerda prevalecem as piruetas e contorcionismos para defender essa espécie de "ademarismo progressista" –o "rouba mas faz de esquerda"– que o PT emplacou no país. O objetivo –pasme– é provar que aquele partido que ia mudar "tudo isso que está aí", é igual a "tudo isso que está aí". Ecoa o bordão daquele personagem de Chico Anysio, o cafajeste Tavares: "Sou, mas quem não é?".

    Para que servem esses comentários? Não sei. Talvez para rezar. São orações diárias de fé servidas pela imprensa para que os fiéis dos dois lados não se sintam desamparados.

    Enquanto isso, na vida real, a presidente de coração valente costura um segundo governo que até poderia ser chamado de "coalizão nacional", fosse ele capaz de realmente catalisar o apoio das peças que formam seu amplomosaico: um Ministério que vai do tucanato, na economia, ao PT, no "social", passando, no resto, pelo todo poderoso PMDB e pelo festival bizarro de siglas que infestam a vida pública como formigas em busca de doce –sim, "pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são"...

    A orquestração desse cortejo de tantas e variadas alas soa como uma tentativa de juntar todo mundo no mesmo barco, na hora em que todo mundo está prestes a naufragar nas águas turvas do Petrolão e congêneres.

    O panorama é desolador. Nenhum partido reúne condições de sustentar um discurso ético. É o duelo do sujo contra o mal lavado.

    Mas se todas as siglas se equivalem na perda do sentido republicano, resta ao menos um motivo para manter o ânimo: instituições, como a Polícia Federal e o Ministério Público, dão mostras de que funcionam, o que é crucial e confortador, num momento em que a democracia brasileira parece a caminho de enfrentar um novo e difícil teste.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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