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    Marcos Augusto Gonçalves

    Abraços grátis

    14/04/2015 02h00

    Tenho alma de flâneur. Como se sabe, a figura que emerge da obra de Charles Baudelaire, iluminada por Walter Benjamin, é personagem por excelência da modernidade, em suas perambulações pelas galerias e ruas parisienses do século 19. Como o "homem das multidões" (na versão londrina de Edgar Allan Poe), o flâneur é um produto da cena emergente da grande cidade; por onde se perde em suas andanças de curioso e voyeur.

    A "flâneurie" por São Paulo certamente já teve dias melhores, sem as cenas de horror que muitas vezes nos espreitam em algumas avenidas, becos e esquinas. O flâneur, contudo, metáfora do artista da modernidade, também é atraído pelos "maus lugares" –como o próprio Baudelaire em suas divagações oitocentistas.

    Apesar da tensão flutuante, gosto de passar por algumas áreas sombrias da Pauliceia –e sou, na verdade, quase que obrigado a isso, já que trabalho perto da deprimente região da Cracolândia.

    Mas o meu lugar predileto tem sido o metrô. Uso diariamente as "linhas burguesas", a verde e a amarela. De vez em quando pego outras, como a vermelha, que na semana passada me levou ao Belém. Há sempre alguma coisa interessante a ver nessas galerias subterrâneas.

    Já andava de metrô em São Paulo, antes de passar um período de um ano em Nova York, onde o "subway", muito maior, é parte do dia a dia. O colorido da paisagem humana, os tipos excêntricos, os artistas, as estações antigas e detonadas - tudo faz do "subway" nova-iorquino um prato cheio para o voyeur. Melhor que cinema.

    São Paulo não chega a tanto, mas tem seus atrativos. Muitas vezes, aliás, a população dos vagões é parecida com a de Nova York. Nossa jovem classe média ascendente é bastante americanizada. Manos e minas de bonés e fones de ouvido, garotões com corte retrô e barba hipster, moças de cabelos pintados, todos com celulares em punho.

    Nesta segunda (13), contudo, vi uma coisa que ainda não tinha visto. Uma garota ruiva, parada na estação Faria Lima, segurando uma folha de papel onde se lia: "Abraços grátis". Passei, olhei e voltei. Saquei meu celular e perguntei: "Posso fazer uma foto dessa sua promoção?", Ela sorriu: "Pode, claro". Fiz duas. Demos um abraço e eu segui mais feliz para a plataforma.

    Marcos Augusto Gonçalves/Folhapress
    Garota com folha onde se lê "abraços grátis" na estação Faria Lima do metrô
    Garota com folha onde se lê "abraços grátis" na estação Faria Lima do metrô
    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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