• Colunistas

    Saturday, 18-May-2024 19:33:36 -03
    Marcos Augusto Gonçalves

    Centro-direita e centro-esquerda

    28/04/2015 02h00

    Em recente texto para o caderno Ilustríssima (12.abr), o sociólogo Celso Barros considerava a importância de uma revisão moral e programática do PT com vistas a impedir o naufrágio do partido e assegurar seu futuro como representante de um projeto social-democrata para o país.

    Caberia ao petismo, nessa hipótese, negociar um novo acordo, pelo qual se trocaria mais liberalismo por mais redistribuição: "Justamente porque o país precisa de reformas liberais, precisa ao mesmo tempo redistribuir renda e oportunidades com um entusiasmo que nunca teve. Este é o acordo necessário para nossas próximas décadas: mais liberalismo em troca de mais redistribuição".

    A mencionada revisão moral e programática viria, no primeiro caso, como resposta indispensável ao envolvimento de quadros petistas em esquemas de corrupção, e, no segundo, como consolidação de uma perspectiva política e econômica que melhor compreendesse e aceitasse, como já ocorre em alguns setores (os majoritários), o funcionamento da economia de mercado e da democracia liberal -ou seja, um processo que consagrasse, enfim, o partido de centro-esquerda, social-democrata, que já existe de fato. Isso implicaria o estreitamento do espaço para propostas de tipo "bolivarianas" ou de extrema-esquerda com base no intervencionismo estatal e na demonização do capitalismo.

    Não sei se resumi satisfatoriamente o texto de Celso Barros, que é muito interessante e merece ser lido na íntegra. Tampouco estou certo de que o PT, diante das circunstâncias, encontrará meios de trilhar esse caminho.

    É razoável, no entanto, imaginar que o desenvolvimento econômico e político do país, dentro dos marcos da economia de mercado e das instituições da democracia liberal, tende a pressionar pela consolidação de um partido de centro-esquerda e de um oponente de centro-direita. Mesmo que não se imagine a repetição do modelo bipartidário norte-americano, com democratas de um lado e republicanos de outro –deixando-se aberta a possibilidade imaginária de uma eventual "terceira via"– é certo que a maior parte das economias e democracias mais avançadas contam com siglas importantes que, de um modo ou de outro, expressam esse antagonismo básico.

    Se o PT já tem uma experiência que o credencia a ser o representante da social-democracia, resta saber que partido representará a centro-direita. A tentativa, de certa forma problemática, mas levada adiante, de empurrar o PSDB para a direita foi uma maneira de encenar essa divisão num contexto em que, na realidade, a direita propriamente havia se recolhido do primeiro plano, preferindo atuar como satélite fisiológico de petistas e tucanos -ambos na prática muito mais próximos do que a rivalidade explícita poderia fazer crer.

    Agora, o cenário mudou. O desgaste do PT e o aparente declínio de um ciclo propiciaram a mobilização de uma centro-direita que vai às ruas defender suas reivindicações. Quem irá representá-la? O PSDB, certamente, tem grandes chances de tornar-se, enfim, de corpo e alma o partido desses setores, mas o PMDB mostra-se disposto a disputar a posição –e tem quadros para isso, de Eduardo Cunha a Eduardo Paes. É cedo para dizer qual será a nova configuração partidária, mas parece uma disfunção insustentável que o partido à esquerda tenha hoje como principal aliado justamente aquele que se insinua cada vez mais à direita.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024